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Consequências não intencionais da ação: ou o efeito borboleta das políticas públicas

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A minha caixa de e-mail está lotada. Cheia mesmo. Acho que tem umas 200 mensagens não lidas. E nem vou ler. Nos títulos eu já percebo que irei perder tempo. Sempre a mesma coisa: “Lula e o bolsa-esmola”. Quando não: “Dilma manterá a política de compra de votos do atual governo, ampliando mais ainda os programas para gerar vagabundos” etc. etc. etc.

A direita com seu discurso preconceituoso (e bem lembremos que todo preconceito é fruto da ignorância) não consegue ver o que lhe aparece às fusas.
Quem me conhece sabe que costumo aumentar e florear um pouco as histórias, normal, tudo para deixar um pouco mais agradável (como no filme “Peixe Grande” do Tim Burton, era tudo verdade, ele só aumentou um pouco…).

Mas o fato é que dia desses estou aqui em casa e chega um camarada num gol branco, toca o sino (aqui em casa tem um sino e não uma campainha), eu atendo e digo: Pois não? Ao que o camarada me responde: É que eu sou o pedreiro e to aqui pra fazer isso, isso e aquilo outro. Eu nem escutei mais o que ele falava, a única coisa que me vinha à mente era: “reiôsse doido! O pedreiro chegou aqui em casa de carro!”. Sai correndo pra falar com minha mãe. Óbvio que não fui dizer que ele tava ali ou qualquer outra coisa, eu fui perguntar o valor da diária dele. Ela responde: Estou pagando R$ 60,00 e levei 3 dias pra conseguir esse ai, por esse preço só marcando, se for pro dia é mais caro. Imediatamente eu digo: E a Senhora já ligou pro CINE? Ela: Já sim, foi pra lá mesmo que liguei.

Aos que não sabem o CINE é um órgão financiado pelo governo que encarrega-se de manter cadastros de vários profissionais liberais. Basta ligar pra lá que você conseguirá um pedreiro, diarista, eletricista, encanador etc.

Fui fazer as contas e vi que, trabalhando 5 dias por semana, ele poderia ter uma renda de R$ 1.200,00 livre de impostos (livre de direitos trabalhistas também, mas enfim). Parei então para lembrar da última vez que precisamos dos serviços de pedreiros e se bem lembro eles chegaram de bicicleta, moravam muito, mas muito longe e quase não tinham dentes. Duma hora pra outra me aparece um cara de carro e cheio de dentes brancos na boca dizendo que também é pedreiro. Logo pensei: tomei uma cana muito doida e acordei na Europa. Para minha (in)felicidade não, estava no Brasil mesmo. Como diabos, em tão pouco tempo, essa gente passou a ter acesso a esses salários e mudar tanto seu padrão de vida?
Bem, as respostas são várias (pois trata-se de um fenômeno complexo e vários fatores são necessários para que isso ocorra), porém, uma das razões é justamente aquilo que costumam chamar na sociologia de: “conseqüência não intencional da ação”.

O governo, pelo menos em seus planos oficiais, não pretendia elevar o valor da mão-de-obra ao instituir programas de renda mínima (bolsa-escola, bolsa-família etc.). Porém, todavia, entretanto… O povo é povo e é por isso que, por vezes, me orgulho da “sabedoria popular”. Como disse Foucault, “onde existir poder, existirá contra-poder”. A equação resume-se no seguinte: O trabalhador, cansado de levar chicotada (de nós mesmos, não é o MacDonalds nem a Coca-cola viu, somos nós que sustentamos – ou sustentávamos – os salários de miséria das empregadas domésticas, pedreiros, encanadores e por ai vai) todo dia pensa: Rapaz, quer saber duma coisa, eu já não vou morrer de fome, já tenho um dinheirinho aqui que o governo me dá… Ai o reacionário já deve tá pensando: virou vagabundo! Pelo contrário, agora ele tem poder de “barganha”, agora ele pode negociar o seu salário. Passar o dia debaixo do sol por vinte conto? Vou não senhor, mas bote aqui cinquentinha que eu vou na hora… A garantia de uma renda, mesmo muito baixa, foi o suficiente para que “o povo” tomasse a devida coragem para barganhar o valor de seus salários. Agora eles tinham a garantia que não mais iriam morrer de fome. A segurança alimentar, bem sabemos, é o princípio de toda liberdade humana. É um ponto firme de apoio, uma espécie de “casulo protetor” que gera uma sensação de bem estar e segurança no mundo. Não há como pensar qualquer liberdade que seja sem a garantia da segurança alimentar. Aliás, existe um ditado que todo mundo já ouviu que traduz bem a relação entre alimentação e poder: “Quem come do meu pirão apanha do meu cinturão”. O trabalhador agora é livre para comer onde decidir, e ao não depender mais de alguém para garantir sua sobrevivência, os laços de dominação diminuem (não tanto quanto desejado) e possibilitam uma “luta” por melhores salários.

Enfim, é isso.