Por Rodrigo Aguiar
As relações humanas são muito frágeis, e isso só não é novidade superficialmente. Mesmo as relações mais fortes (o que, nesse caso, não gera contradição) estão sempre à beira de um colapso, da volta ao nada. Esse é um dos motivos, dentre tantos, que afasta muita gente das redes sociais: na família temos a fraternidade e o parentesco em geral; no “lado da rua”, as amizades e afeições. Tudo se resume à insegurança existencial, ao risco, e a quem prefere viver nessas circunstâncias, dentro delas, usufruindo seus frutos, enquanto outros optam pela distância sofrida da ausência e da solidão.
Estabelecer relações e escolher esse caminho é como sorrir muito, sofrendo muito. Nada escapa do sofrer, do absurdo (Camus), do desespero (Sponville), da ansiedade (Tillich), da insegurança (Giddens), do nada (Sartre). O tempo inteiro está presente a possibilidade da ruína, de escapar entre os dedos o que mais alguém tentou preservar, mas ao lado do esforço constante de conservar a rotina social, de permanecer o culto aos hábitos que unem estes laços tão finos, está a condenação do erro, pois estamos sempre condicionados a errar, a cada segundo dos sinceros sorrisos.
Inúmeros mecanismos tentam assegurar o distanciamento dos erros, alguns presentes em toda relação, como a confiança, o respeito e a aceitação, outros específicos a certas áreas, como a autoridade e a transparência, na família, ou a identidade das amizades e a fidelidade nas afeições, de maneira geral. Mas esses fatores, que vão do controle comportamental à segurança emocional, passando ainda por outros que brotam sem que percebamos inteiramente, jamais desintegram os riscos do desastre.
Construímos concretos de vidro, fortalezas de areia, armaduras de pano e moradias de cera: tal é a estrutura das relações humanas. Mesmo ao tentarmos, continuamente, afastar os erros, permanecem as sombras tortuosas dos equívocos, das más interpretações, das conseqüências imprevistas e não intencionais. Parte da fragilidade das relações vem do que nos escapa, da incerteza e do acaso. Essa é a incompletude humana, ávida de uma perfeição que consolidaria a estabilidade inabalável das relações, ou nos lançaria ao mais obscuro individualismo auto-suficiente, às minas abandonadas do isolamento apático, tão cheio de si mesmo como de rejeição pelo outro. Foi essa forma mesquinha e egoísta de perfeição que Zaratustra encontrou, embora choramingasse nas florestas por companhias inexistentes. É, portanto, a própria imperfeição que nos fornece conforto materno, ensinamentos paternos, companhias fraternas, nos permitindo, ainda, saborear as alegrias das amizades e os prazeres das afeições.
A fraqueza da interação humana vai mais além. Todos aqueles mecanismos que sustentamos para perpetuar uma relação não têm vez diante da força destruidora dos erros que cometemos. O que construímos com o outro tem dois lados desafiadores: ao mesmo tempo em que há a entrega, a abertura do mundo pessoal para com o outro, persiste o incômodo do medo do sofrer, de que essa doação de si torne-se uma fina película que sangra por dentro. Para evitar que a relação seja ora invasora, ora evasiva, criamos exigências. Elas não se enquadram como mecanismos que nos afastem do colapso, porque a força que têm para erigir, têm para desabar. É aqui que o erro torna-se um gigante, cujas conseqüências inadmissíveis ganham força das exigências que formulamos para tentar acabar com o sofrimento. Diante da incerteza mútua entre os seres, a exigência que os une é a mesma que os leva à ruína, por um erro humano. Isso explica o conhecimento comum de que, por mais forte que seja uma relação, pode um único deslize desmoronar um edifício inteiro.
A dualidade continua presente quando se confronta a emoção e a razão. Não há como definir o quantum de razão que há no controle comportamental, nem o quantum de emoção na segurança emocional, nem mesmo, ainda, de que forma emoção/razão se distribuem nesses aspectos que traduzem aqueles mecanismos: de proteção contra o colapso, de integridade dos relacionamentos. Dividi-los em conformidade ao pensamento é cair nas armadilhas da reflexão. No entanto, alguns elementos são mais claros: a segurança e a estabilidade que buscamos, nas relações, mantêm-se graças à emoção que constrói identidade, confiança, respeito, necessidade, e à razão que promove aceitação, compreensão, partilha, liberdade aí estão as suas forças. Por outro lado, essas duas palavras de ordem tão proclamadas no mundo atual não merecem tanto crédito ao ponto de nelas nos apoiarmos sem medo da queda. A emoção não consegue sustentar a base de tudo que construiu, quando assolada por tempestades de erros, equívocos, imprevisões, incertezas, e por essas mesmas tormentas a razão não tem forças pra entender tudo o que antes era pura e luminosa compreensão aí estão suas fraquezas.
Tudo está completo na incompletude. Ela é perfeita por ser exatamente isto e nada mais, por ser o mais real e onipresente lamento da vida. É essa a essência da nossa fragilidade, que traz a virtude de precisarmos do outro, e com isso ansearmos por relações de família, e nelas termos conforto diante de todo conflito; buscarmos relações de amizade, e nelas termos sorrisos diante de toda insegurança; construirmos relações de afeição, e nelas termos incentivos diante de tudo que nos falta. É toda essa fragilidade, imperfeição, vazio, medo, desespero, absurdo, ansiedade e insegurança que nos condena à vida, somente à vida.