Em uma época em que mostrar peitos, bundas e insinuar-se libidinosamente para as câmeras é quase uma regra, lembremo-nos daquela que, em outrora mostrar-se sensual era quase um crime à moral dos bons costumes, nos ensinou muito sobre como aventurar-se nos usos dos prazeres solitários. Sim, estou falando, óbvio, do primeiro amor de toda uma geração cujo nome dito se torna uma linda paisagem à nossa imaginação: Emmanuelle.
Infelizmente ela nos deixou. Vítima de um câncer na garganta (talvez pelo excesso de consumo de cigarros pós-coito), Sylvia Kristel, mais conhecida por Emmanuelle, morreu enquanto dormia na manhã de hoje. Ela foi aquela que tirava meu sono nos sábados a noite, que me fazia mentir para meus pais para vê-la por apenas alguns minutos, me deixava ansioso na semana para que o sábado chegasse logo e nunca, por mais paradoxal que seja, me deixou na mão. Todos os sábados ela estava lá, me aguardando, para mostrar-se implicitamente à minha imaginação.
Na minha adolescência, o pornô, o explícito e a vulgarização do sexo dava lugar ao erótico, ao implícito e a sensualidade do possível. Todos os sábados era o mesmo ritual: às 23h ficava ansioso, zanzando pela casa, tentando ler algo para passar o tempo ou até mesmo estudar as matérias atrasadas da escola; esperar que nossos pais fossem dormir, para que às 2:30h da madrugada pudesse ver a minha maior professora de educação sexual que alguém pudesse ter, aquela que nos mostrou logo cedo que a vida nos deixa calos necessários.
O filme “As Aventuras de Emmanuelle”, transmitido durante todas as madrugadas de sábado na Rede Bandeirantes, ensinou a juventude da qual eu faço parte que até para ejacular sozinho é necessário uma conquista.
Em uma época em que a internet era acessível à poucos, porntube, redtube, caiunanet.ws, entre outros milhares de sites e facilidades que não existiam, esforçar-se para ver uns peitinhos e algumas situações libidinosas nas madrugadas de sábado eram um feito, uma aventura que precisava de uma odisseia de estratégias que hoje os adolescentes jamais conseguiriam enfrentar: esperar ansiosamente para assistirmos Emmanuelle no volume 1 da TV para que ninguém ouvisse e nos pegasse com a mão na botija! Aliás, quem já ouviu alguma vez a voz de Emmanuelle? Era um mistério. Lembro-me que “ser escroto” na escola era assisti-la no volume 20, tranquilamente e sem empecilhos dos pais.
Não assistíamos mais que 30minutos de filme, apesar de sempre irmos dormir felizes, satisfeitos e bem humorados, como se tivéssemos passado horas com ela. Quem alguma vez já viu o final de um filme de Emmanuelle? Não dava tempo, não precisava. A voz de Emmanuelle é o canto da sereia que muitos não conseguiram ouvir, assim como o final do filme era como desvendar o mistério da esfinge. Ninguém da minha geração conseguiu tal feito.
Mas quem se importava com isso? 30 minutos era uma eternidade para nós. Baixar o brilho da TV, colocar o volume mínimo, ligar aquele ventilador barulhento, segurar o controle remoto em uma mão (para prevenir possíveis eventualidades) e, com a outra, construir a história dos nossos prazeres solitários, com olhos atentos para a tela da TV, torcendo para que aquele diálogo incompreensível acabasse logo, para que pudéssemos chegar ao ponto final de nossa história. Muitas vezes, tínhamos que esperar acabar a primeira parte para que, na volta dos comerciais do LBV, pudéssemos ver o que estávamos esperando. Era o ápice, a alegria em seu estado mais puro, nossos hormônios explodiam como fogos de artifícios.
A Padroeira do Onanismo merece a homenagem de toda uma geração, cuja educação sexual dependeu exclusivamente dos filmes em que ela aparecia. Morreu aquela que nunca nos deixou na mão, que ensinou a sermos eróticos sem ser vulgar, a mostrar escondendo e esconder mostrando. Ao contrário da pornografia fácil e sem limites de hoje, o erotismo de Emmanuelle era, antes, uma conquista à nossa imaginação, uma educação ao pensamento criativo. Aquela que nos fazia fechar os olhos e imaginar aquilo que de fato nunca conseguimos ver de fato. Nunca consegui esquecê-la justamente pelo fato de que vê-la era uma dificuldade sem precedentes.
Hoje, esta mão que vos escreve, fará um minuto em silêncio uma homenagem a Emmanuelle, para sempre Emmanuelle.
Vou ao banheiro.