Com a aposentadoria do desembargador Caio Alencar em junho deste ano, deflagrou-se o processo sucessório que por fim designará quem irá ocupar sua vaga no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Após certo embate preliminar, foi definido o posto como destinado a representante da Ordem dos Advogados do Brasil e não do Ministério Público, dando-se início a uma nova disputa interna nesta seccional, com vários advogados postulantes à atividade judicante da segunda instância estadual. A votação se dará no próximo dia 22, definindo a lista sêxtupla dos candidatos mais votados que será enviada ao TJ de modo que, após nova votação interna, possa esta corte enviar ao Executivo a lista tríplice, daí saindo aquele que enfim ocupará a vaga referente à quinta parte da composição dos nossos tribunais destinadas a advogados e membros do Ministério Público.
Mas qual o perfil de desembargador que espera a sociedade diante de todas as suas demandas e anseios, principalmente em decorrência do fato de um terço dos nossos desembargadores estarem sendo alvo de investigações no Conselho Nacional de Justiça e, principalmente, do lamentável escândalo dos precatórios que, também envolvendo membros de cúpula da nossa alta corte, acabou por fragilizar ainda mais sua imagem perante a opinião pública?
O certo é que a composição nosso Tribunal de Justiça tem hoje a marca da homogeinidade, com desembargadores bastante alinhados do ponto de vista político e ideológico – e não se enganem, pois o viés político, muitas vezes averso à técnica, é mais do que inerente à própria natureza das decisões judiciais, principalmente naquelas proferidas em sede de segunda instância. Com um perfil preponderantemente conservador, seus votos, decisões monocráticas e acórdãos como um todo costumam ser relativamente previsíveis. Exceções existem, naturalmente, advindas em regra não dos membros efetivos daquela corte, mas de magistrados eventualmente convocados para fins de substituição.
Há ainda a forte e tradicional influência do poder político e econômico no seio dos tribunais, situação que, em um contexto republicano, macula de forma grave o espírito estrutural do modelo de tripartição de poderes quando a escolha dos seus integrantes é submetida à discricionariedade de chefes do Poder Executivo, livres para, aos seus talantes, desrespeitar a ordem entre os três candidatos que lhe são submetidos à escolha, sejam estes advogados, promotores ou procuradores de justiça.
Na atual conjuntura política do Rio Grande do Norte, acometido por uma crônica e acentuada deficiência na prestação dos serviços essenciais mais básicos, deficiência esta sedimentada, sobretudo, em pesados cortes orçamentários que comprometem ainda mais a implementação e a execução de direitos e garantias fundamentais historicamente desrespeitados, revela-se mais do que necessária uma oxigenação desta corte no sentido de que suas decisões se adequem às expectativas da sociedade no que diz respeito ao Judiciário enquanto poder que se soma ao controle institucional do ímpeto arbitrário que historicamente caracteriza o Poder Executivo, contumaz nas constantes omissões em cumprir os seus deveres constitucionais junto à população.
Mais do que nunca a sociedade preza por um desembargador que, além de independente, se norteie pela intransigente defesa dos direitos humanos, ocupando o lugar que lhe cabe enquanto protagonista na transformação dos alicerces de um modelo de sociedade injusto e excludente; um desembargador sensível às demandas sociais e carências que reduzem à míngua determinados segmentos da população carentes de políticas públicas e de amparo social, a exemplo dos deficientes físicos, moradores de rua, crianças e adolescentes, trabalhadores informais, etc; um desembargador comprometido com a nobre atividade de julgar segundo a sua consciência e à realidade social que o cerca, desprezando os interesses políticos de natureza pouco republicana que certamente buscarão interferir em suas decisões; alguém jovem e cuja carreira na advocacia seja marcada não apenas pela militância em prol de uma sociedade mais solidária e pelo romantismo da advocacia artesanal, mas também pelo apreço na defesa dos interesses das coletividades, em frontal contrariedade ao individualismo e à desvairada busca por dinheiro e status social, fatores que, infelizmente, são hoje marcas da advocacia potiguar.
Ao Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Norte urge a retomada de sua credibilidade junto à sociedade, e a opção de um candidato com esse perfil pelos inscritos desta seccional da Ordem dos Advogados do Brasil e pela governadora é essencial para a retomada de uma imagem positiva junto à população que, infelizmente, vê hoje no Judiciário antes um obstáculo que uma forma de resolver os seus problemas. Um passo como tal representaria não apenas vontade política de restituir credibilidade ao TJRN, mas também de pô-lo em sintonia com a realidade social que o cerca, uma realidade de pessoas que gritam desesperadamente por uma maior sensibilidade daqueles que tem ao seu alcance os instrumentos de transformação necessários para lhes conferir o mínimo de dignidade da qual são triste, cruel e cotidianamente alijadas.