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Eleição para Desembargador – Perfil: Daniel Alves Pessoa

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Passado em parte o frisson com as eleições municipais, é possível dar atenção a outras formas de exercício democrático.

Uma delas é a eleição direta, pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do RN, de candidatos à composição da lista sêxtupla para Desembargador do Tribunal de Justiça.

No presente espaço, na medida do possível, traremos o perfil e entrevistas de alguns candidatos, permitindo ao leitor conhecer os potenciais novos integrantes do Poder Judiciário potiguar.

Para a abertura do espaço, trazemos Daniel Alves pessoa, advogado militante com destaque na área de Direitos Humanos. Mestre em Direito Constitucional pela UFRN (2007), com objetos de estudos sobre o Poder Judiciário.  Especialista em Direitos Humanos pela UFPB (2004), com trabalho sobre a dignidade da pessoa humana.  Graduado em Direito pela UFRN (1998). É Conselheiro da OAB/RN para o triênio 2010-12.  Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos em Justiça e Cidadania – IPEJUC (triênio 2010-12).  Também é membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP, da Confederação do Equador e do projeto de extensão da UFRN “Escritório Popular”.

Carta Potiguar – Qual o papel de um Desembargador eleito pelo quinto constitucional da advocacia?

Daniel Pessoa – Penso que um Desembargador eleito por meio de votação direta da Classe de Advogados e Advogadas possui responsabilidade republicana e papéis importantes um pouco mais acentuados.  É que, além das funções de julgador, que são relevantes e delicadas, ele (ou ela) terá o papel da representatividade de seus eleitores perante o Tribunal.  Deverá funcionar como um interlocutor qualificado em relação aos anseios e reivindicações da Advocacia, pois as prerrogativas da Advocacia constituem as garantias de democratização, fortalecimento e aperfeiçoamento do sistema de Justiça, gerenciado em grande parte pelo Judiciário.  Afinal de contas, a Advocacia configura um dos principais canais (veículo e tradutor) das questões sociais, dos conflitos e demandas a serem decididos pelo Judiciário.  Além disso, o Desembargador eleito diretamente pela Advocacia terá que desempenhar a capacidade de expor o olhar e os horizontes sobre as causas a partir do lugar da Advocacia, a fim de concretizar a pluralidade quanto aos debates e decisões.  Em suma, há diferenciais de relevo quanto aos papéis e responsabilidades para quem seja eleito diretamente para se tornar Desembargador.

CP – O juiz ao julgar deve ouvir o clamor social ou decidir apenas com base na Constituição e na lei?

DP – A Constituição e a Lei servem de parâmetros para as escolhas (decisões) a serem adotadas quanto a determinadas situações ou condutas.  Constituem pontos de partida.  São textos que representam determinados comandos, de maneira que podem ser interpretados por qualquer ser humano.  Não se deve ignorar, simplesmente, as interpretações que são erigidas no seio da opinião pública, as quais, muitas vezes, são veiculadas através dos canais tradicionais (jornais impressos, televisão, etc.) ou por meios alternativos (jornais de entidades, redes sociais na internet, por exemplo).  Na atividade de julgar, o Juiz também se tornar intérprete de pessoas, fatos e fenômenos socioculturais, políticos, econômicos, científicos, etc. (nisso, ele também será um pouco leigo), pois a aplicação da Constituição e da Lei se faz a partir e em face de tudo aquilo.  O processo, como meio e instrumento para o julgamento, é público, de modo que se mostra aberto às opiniões da sociedade.  A publicidade significa a democracia no processo e no julgamento, mediante, exatamente, a manutenção das possibilidades interpretativas pela sociedade.  Evidente, porém, que a opinião pública não significa o julgamento do Juiz, mas apenas um ponto de vista que merece reflexão e resposta, quando da decisão tomada.  Portanto, o Juiz deve ouvir o clamor social e se pronunciar a respeito, inclusive para exercer papel pedagógico sobre os temas jurídicos.

CP – Recentemente, a Juíza Eleitoral da 35a Zona (Apodi) editou portaria proibindo que eleitores portassem mais de R$ 1.500,00 em espécie. Essa medida é constitucional?

 DP – Verificando o texto do ato, percebo que a ideia foi tentar criar uma medida preventiva para minimizar os abusos de poder econômico nas eleições, inclusive diante de vários problemas já detectados na Zona Eleitoral.  Politicamente correta e louvável.  Entretanto, a medida é inadequada, do ponto de vista jurídico.  Claramente inconstitucional e ilegal, pois a ilustre Magistrada extrapolou o poder regulamentar que a legislação eleitoral confere à Justiça Eleitoral.  Viola diversos direitos fundamentais e parte da premissa da desconfiança.  Também, observo que houve desrespeito às competências e atribuições do Banco Central, visto que, pela medida, proibiu-se até que os Bancos realizassem operações de saques acima daquele valor.  Com todo respeito, penso que é melhor revogar a Portaria, dado o equívoco.

CP – Ainda na pegada da pergunta anterior, até que ponto o Judiciário pode substituir ou suprir deficiências dos Poderes Executivo e Legislativo?

DP – O Judiciário não possui função para se substituir ao Executivo nem ao Legislativo, em razão da separação harmônica entre os poderes.  A politização do sistema judicial é inadequada e de todo perniciosa.  Quando há judicialização da política, o Judiciário intervém por meio, principalmente, do controle de constitucionalidade dos atos e Leis, bem como através das ações coletivas.  Nessa última hipótese, há possibilidade de o Judiciário suprir as deficiência, mediante critérios preestabelecidos na legislação.  No entanto, é preciso muito equilíbrio no exercício dessa atividade jurisdicional, pois as situações são muito complexas e exigem instrumentos mais abrangentes, como as audiências públicas, por exemplo, para que as soluções possam ser legitimadas e não invadir as esferas de atribuições dos outros poderes.  Enfim, no jogo dos freios e contrapesos, do qual o Judiciário é um poder participante, ativo e republicano, é possível certo deslocamento do espaço de decisão para o Judiciário e que os Juízes possam determinar o cumprimento das políticas públicas estabelecidas constitucionalmente – direitos dos cidadãos.

 

CP – Uma das suas propostas é a criação de um Conselho Estadual de Justiça. Como funcionaria essa instituição? Como seria composta?

 

DP – A proposta não é novidade, seja porque já contamos com o Conselho Nacional da Justiça seja porque já existem Conselhos em diversas pastas dos poderes públicos.  A ideia é trabalhada no meio acadêmico e no sistema político (tramita uma PEC no Congresso para criar os Conselhos Estaduais de Justiça).  Em linhas gerais, o Conselho terá o papel de administrar a Justiça, gerenciando as políticas institucionais, orçamentárias e financeiras, bem como as questões de infra-estrutura, recursos humanos e disciplinares.  Fará estudos, diagnósticos e as regulamentações administrativas.  Tratará das Leis necessárias ao funcionamento do Judiciário.  Com isso, desafogar-se-á o Judiciário, que ficará focado na atividade-fim: dar andamento aos processos e julgá-los.  A composição deverá abarcar a participação democrática da Advocacia e da Sociedade, pois o espaço do Conselho é para isso.  A proposta é que haja, no mínimo, paridade de representações: metade para os órgãos do sistema de justiça (Magistratura, Ministério Público, Advocacia e Servidores) e metade para a Sociedade civil (Academia, organizações não governamentais e pessoas da população).  O Conselho Estadual estará mais próximo da cidadania  e das instituições locais, de maneira que terá mais efetividade e rapidez para gerenciar as questões.  Assim, acredito que a criação do Conselho Estadual de Justiça é viável e possui grande potencial para democratizar, fortalecer e tornar o Judiciário mais eficiente.