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A farsa da democracia política

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Imagino a quantidade de cestas básicas que neste domingo foram distribuídas no Felipe Camarão, no Loteamento José Sarney, em Mãe Luiza e em Soledade II. Imagino a quantidade de sacos de cimento, armações de óculos, dentaduras e valores em dinheiro que foram oferecidos em Nova Natal, na Vila de Ponta Negra, no Bom Pastor e na Cidade da Esperança.

A torneira jorra com força total no dia das eleições, é o que dizem. É esse o melhor momento para estocar o coração da república e para tripudiar da democracia, cooptando os infelizes que, desprovidos de dignidade e de oportunidades básicas, não conseguem dar a devida importância ao seu voto.

Serão eles realmente os culpados, ou as vítimas de um ciclo vicioso retroalimentado por corruptores que se reelegem sucessivamente por meio da manutenção da miséria cultural e econômica de milhões de pessoas cruelmente alijadas de seus direitos mais fundamentais?

Impossível não lembrarmos dos ensinamentos do velho barbudo de vermelho (que, é pertinente que se diga, não se trata do papai noel): democracia política sem democracia econômica não passa de uma farsa, de um engodo, de uma enganação. Mas qual o interesse de um sistema político e econômico excludente em garantir que ambas coexistam se, assim, será posto em xeque o funcionamento das suas próprias engrenagens? Qual o interesse em impedir que se continue com o financiamento privado de campanhas se isso, vejam vocês, cometerá o disparate de democratizar o pleito e de garantir maior isonomia entre os candidatos? E o pior: por que a sociedade é doutrinada a demonizar as vítimas da exclusão ao passo que abstém na compreensão de que o problema é sistemático, estrutural e de que o buraco está muito, mas muito mais embaixo?

Nisso tudo, onde entra o papel e a responsabilidade dos meios de comunicação? Será que seguem as diretrizes constitucionais e servem de fato à população, ou estão a serviço de meia dúzia de interesses escusos e particulares? Está mais do que óbvio: tudo gravita em torno do impostergável e sagrado dever de ratificação do status quo¸ de reafirmação da ordem posta, uma ordem que, protegida pelo oligopólio das concessões públicas de rádio e tv e pelo devastador rolo compressor do poder econômico, tira o seu da reta ao responsabilizar o miserável que, debilitado física, cultural e emocionalmente, se submete a aceitar um prato de comida, um saco de britas ou vinte reais em troca do seu voto.

Que o exercício da democracia não se exaura no voto, como somos levados a crer a partir do lamentável discurso midiático da “festa da democracia”. Nos próximos anos, teremos muito trabalho no controle e na fiscalização dos vereadores eleitos e reeleitos, pois não esqueçamos de que é o povo o verdadeiro protagonista de qualquer democracia que se preze.