O chamado filhotismo é prática política antiga. Fundado nas reminiscências do coronelismo clássico, trata-se do esforço dos caciques, raposas e coronéis do nosso tempo em perpetuar seu poder político por meio dos seus filhos, netos, sobrinhos e apadrinhados de toda natureza.
Valem-se do – sempre – palatável discurso da mudança, artifício retórico multiuso, particularmente atrativo aos que não almejam mudar nada. Forçam a barra ao relacioná-lo diretamente à idade e à juventude das suas crias, sempre partindo da premissa de que juventude é sinônimo de renovação – uma premissa escandalosamente falaciosa, é bom que se diga, temperada por um marketing político que certamente conseguirá alçá-los nestas eleições ao topo dos candidatos mais votados.
É impressionante como o fenômeno do filhotismo é pavorosamente forte em terras potiguares. Cito alguns nomes de jovens candidatos ao posto de vereador que agora me vem à mente: Rafael Motta, Jacó Jácome, Felipe Alves, Jonatas Moabe e Dickson Nasser Jr, todos filhos de políticos tradicionais (à exceção do Alves, sobrinho de Garibaldi), parlamentares em exercício dos seus mandatos entusiasmados no ofício de transferir à sua prole seu prestígio e influência política e eleitoral.
Quanto aos dois últimos, há um detalhe importante: são filhos de Adão Eridan e Dickson Nasser, condenados em primeira instância na Operação Impacto por corrupção passiva. Ambos assumem descaradamente a estratégia em manter ou aumentar sua força política no legislativo municipal por meio das candidaturas de seus filhos (Adão Eridan, a propósito, candidatou até a nora com esse fim). Nasser, a propósito, já conseguiu emplacar o filho mais velho na política, o deputado estadual Dibson Nasser, eleito em 2010. E ainda tem Janderrê Melo, esposa de outro impactado, o ex-boxeador Adenúbio Melo, também candidata à vereadora, ré em processos criminais de peculato e falsidade ideológica bem como em uma ação de improbidade administrativa.
A fórmula da vitória
O roteiro é sempre o mesmo: um rosto jovem atrelado ao discurso de renovação e mudança. Uma fórmula que eventualmente dá certo do ponto de vista eleitoral, a exemplo de Felipe Maia. Herdeiro direto do senador José Agripino, ícone maior do feudal coronelismo oligárquico do nosso estado, foi eleito deputado federal em 2006 com o mote “Renovação Já!”, com direito à exclamação. Hoje, está no seu segundo mandato. Só mesmo um eleitor afundado na mais pueril inocência e na mais sufocante ignorância para acreditar que um filho de um ex-prefeito biônico arenista representa alguma mudança, renovação e rompimento com as práticas conservadoras que, intrínsecas ao patrimônio político do senador demista, o colocaram exatamente onde se encontra agora.
Houve, inclusive, jovens estrategicamente colocados por seus pais/padrinhos em cargos de questionável importância funcional, como chefias e subsecretarias de viés puramente político, com o intuito exatamente de servirem de trampolim para estas eleições. É comum que, uma vez em campanha, mostrem uma grande afinidade com o modo tradicional de fazer política, vazio, apelativo, clientelista, paternalista e autocrático, baseado nos padronizados discursos do “melhorismo” e do moralismo, abstratos e sem conteúdo; tem suas “plataformas” políticas convenientemente construídas no conforto de gabinetes climatizados pelas mãos das equipes dos seus padrinhos, sem qualquer participação popular e até dos próprios candidatos.
Os “projetos” e “propostas” são genéricos e previsíveis, vez que a campanha é focada muito mais na imagem do candidato do que em qualquer outra coisa. Em todo esse esquema, sua função é apenas entrar com seu rosto e com sua juventude, já que, na maioria dos casos, sequer conseguem falar para o público ou para as câmeras. O resto do trabalho fica para os marketeiros, responsáveis por embalá-los, colocá-los à prateleira e anunciar à população a mais nova esperança da cidade.
Renovação?
Em 2008 tivemos eleitos dois vereadores abaixo dos 30 anos, Júlia Arruda e Maurício Gurgel. A primeira demonstrou certa personalidade política, resistindo ao sedutor canto das benesses e regalias governistas que acabou por cooptar muitos dos parlamentares – a exemplo do próprio Maurício Gurgel – tais quais seus companheiros de partido, Franklin Capistrano, Júlio Protásio e Adenúbio Melo, que naquele momento descambaram para o lado verde da força. O segundo, por sua vez, fez uma legislatura patética, consolidando apenas a tradicional inépcia dos nossos legisladores municipais. Pudera, o que esperar de um vereador que, de todas as inúmeras possibilidades que a atividade legiferante lhe concede no sentido de incutir na sociedade as transformações estruturais de que necessita, resolve elaborar uma lei para garantir a implantação de banheiros em agências bancárias? E o que dizer se o sujeito enche a cidade de outdoors para publicizar essa “importantíssima” conquista? Com certeza, a vida na cidade não vem sendo a mesma após a sanção de uma lei com esta amplitude e incidência nas draconianas mazelas da sociedade natalense, que pode agora fazer o seu xixi antes de tirar seu extrato.
Diante dos abusos de poder econômico e do forte e tradicional capital politico que amparam as candidaturas dos filhotes, a Câmara Municipal de Natal corre, de fato, o sério risco de se ver renovada nos próximos quatro anos, mas apenas na média de idade dos parlamentares. Rostos joviais endossados pelos responsáveis pelo provincianismo político e econômico da nossa cidade e do nosso estado. Fica a pergunta: que espécie de renovação é esta?