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Em defesa da esfera pública: Jornalismo e Opinião

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Por Alyson Freire e Carlos Freitas

 (Colunistas da Carta Potiguar)

Assim como em outros espaços de disputas da sociedade, há lutas bem “violentas” pelo monopólio da opinião pública autorizada; lutas pelo direito de dizer ou fazer dizer o discurso de opinião. Lutas pra defender e divulgar ideias e opiniões: lutas por transformar posicionamentos e tomadas de decisões em opinião pública, em opinião na esfera pública.

Se, desde o início, a emergência da esfera pública ergue-se sobre a ideia de uma pluralidade de sujeitos capazes de construir e manifestar suas opiniões, impressões, ideias e críticas a respeito de temas e assuntos de interesse geral, como narra Jurgen Habermas em A Mudança Estrutural da Esfera Pública. Tal ideal não impediu que, na prática, esse exercício plural de debate entre ideias e ponto de vistas sobre o mundo e as necessidades da sociedade estivessem constantemente ameaçado por grupos de interesse; quer seja por aqueles que convivem mal com a liberdade de pensamento, quer seja por aqueles que fazem uso da esfera pública para finalidades de poder.

No que pesem as defasagens entre ideal e prática ou as lutas por monopólio e maior controle pela circulação das opiniões, o certo é que a ideia que anima a criação desse espaço de discussão pública e racional, como defende Habermas, é a pluralidade de sujeitos reunidos e orientados pela suspensão de todas as diferenças a priori ligadas à hereditariedade, ao sangue, poder econômico ou às posições sociais. O importante aqui é o discurso e o argumento assim como o exercício do “todos” em referência ao bem comum. Essa presunção normativa de igualdade e de não-monopólio quanto à participação é fundamental. Ela é um valor-base e um ideal a serem perseguidos e defendidos com empenho e vigilância crítica em prol de uma esfera pública consistente, plural e verdadeiramente democrática.

A esfera pública, portanto, deve está aberta a todos os grupos sociais e ocupacionais de interesse da sociedade. Em seu estudo clássico, Habermas é categórico: a esfera pública jamais deve ser confundida com uma instituição, uma organização, um grupo social, ocupacional ou atividade profissional específicos. Seu substrato organizatório é a pluralidade do público de pessoas privadas e associações da sociedade civil que, por meio da intervenção e do debate, buscam interpretações públicas para suas  experiências e interesses sociais.

O que vemos no decorrer do século XX, e de uma maneira quase planetária, são grupos de interesse – a imprensa corporativa  e os grupos econômicos – assaltarem e concentrarem a esfera pública para propagar suas ideias e estratégias de poder. Ocorre que a pressão sobre o poder político e a defesa do exercício da palavra pelo reconhecimento da capacidade de comunicação dos indivíduos enquanto seres humanos, princípios éticos-políticos da esfera pública, pervertem-se por razão da busca por monopólio de grupos de interesse. Nesse sentido, a esfera pública transforma-se num caixa de ressonância, num suporte, para o poder e a defesa de interesses privados desses grupos de interesse.

Atualmente, com as inovações tecnológicas na segunda metade do século XX, a emergência de novas mídias e espaços de  circulação de ideias e informação, vide o exemplo da internet, somados a novas e crescentes demandas sociais por ação comunicativa, assistimos a multiplicação de formadores de opinião bastante diversificados em franco confronto com as agências  jornalísticas corporativas e monopolizadoras.

O campo jornalístico, por exemplo, os profissionais da opinião pública vivem atualmente um mal-estar cotidiano, um grande paradoxo. Por um lado, o crescimento explosivo do mercado de produção e circulação de informações e ideias; e por outro, a pluralização dos agentes discursivos na esfera pública, ameaçando o monopólio da opinião pública até então em mãos dos jornalistas profissionais na Televisão ou grandes jornais impressos.

É nesse contexto, contra a multiplicação dos espaços de circulação de ideias e de crítica na esfera pública, que surgem as palavras de ordem do tipo, “mas isso não é jornalismo”, como se toda e qualquer produção discursiva que circula na esfera pública seja  necessariamente de natureza jornalística. E o mais cômico, como se somente o profissional de jornalismo tivesse a autoridade estatutária e ética para escrever (ou mesmo forjar) a opinião pública. A esfera pública não pode ser nem encerrada nem capturada pelo jornalismo.

A ingenuidade ou o pouco senso de historicidade das instituições parece ter vedado as lentes de muitos jornalistas diante do processo intenso de diferenciação do trabalho de produção discursiva no interior da esfera pública. Cada vez mais diversificada e  especializada no que tocante aos agentes discursivos. E cada vez mais demandada por maior participação ativa de indivíduos e coletividades da sociedade civil.

No cenário contemporâneo, a esfera pública se radicaliza como espaço de interação e disputa discursiva entre diferentes agentes de interesses e espaços de comunicação. E nessa arena de ação comunicativa e de opinião, a eficácia social não se rende mais ao  diploma de algum profissional versado em comunicação ou informação. Mas, sobretudo, na força de convencimento dos argumentos mobilizados. E aí, não é de se estranhar a participação cada vez maior da esfera pública por novos agentes discursivos especializados (economistas, engenheiros, cientistas políticos, sociólogos, filósofos) que passam a rivalizar com os jornalistas mais generalistas.

A ideia de que a esfera da opinião pública, da emissão e da formação da opinião pública é um espaço e atividade somente de jornalistas ruiu. A estrutura mudou, os produtores de opinião mudaram e, claro, os consumidores de informação também mudaram. Os novos leitores não desejam apenas consumir informação, mas opinião, análise e interação qualificadas. Nesse cenário, é míope aquele que desqualifica o direito de produzir opinião pública pelo diploma de jornalismo. Aliás, é míope  aquele que age como censor estatutário de qualquer forma de discurso produzido na esfera pública. Na nova configuração da esfera pública, a arma da opinião é a própria crítica. E a verdadeira ação comunicativa é a alternativa crítica. E nós da Carta Potiguar praticamos a crítica como vocação.