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Elegia da preguiça

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Por Paulo Afonso Linhares, Professor da UERN

 O estado natural da baianidade traduzido no “devagar quase parando”, que Dorival Caymmi imortalizou, toma de conta do Brasil a cada começo de ano; na verdade, somente depois do carnaval é que este país “gigante pela própria natureza” se levante de seu “berço esplêndido” para encarar a vida. Com isso, o mês de janeiro terá passado. Incrível é como os relógios biológicos das pessoas mantêm uma sintonia finíssima – de um devagar-quase-parando – com essa estação que as pessoas denominam “verão” que, no Hemisfério Sul, onde localizado o Brasil e boa parte da África e da Oceania, começa no dia 21 de dezembro e termina em 20 de março, quando tem início o outono.

A verdade é que após as festividades do natal e ano-novo, um espesso manto de lassidão envolve o Brasil, prostrando pessoas e instituições; as tantas categorias de servidores públicos puxam esse enorme cordão de moleza que se arrasta até os festejos momescos no mês de fevereiro. Até aí nada efetivamente ocorre e todo mundo corre para chupar canela de caranguejo nos 7.367 km de beiras de praia deste país-continente, tomar cerveja, cachaça ou uísque com água de côco e se espreguiçar em brancas redes de ventilados alpendres. Depois chega o carnaval (que nada tem de “tríduo”, como muitos apregoam: começa sempre no Sábado-Gordo e termina na Quarta-Feira de Cinzas e ai vão mesmo cinco dias! O carnaval, palavra originada da expressão latina carne vale! (“adeus, carne!”), para indicar a abstinência que antigamente era costume nos lares católicos no período da quaresma, que iniciava no último dia do entrudo (o mesmo que carnaval), ou seja, na quarta-feira de cinzas. Claro, essa carne a que se dava adeus teria duplo sentido…

Algo significativo é o papel cada vez maior do Estado nessa preguiceira que faz da nossa nação algo “devagar-quase-parando”. Ora, o movimento financeiro dos entes públicos somente se inicia no final do mês de janeiro, com o pagamento dos vencimentos, salários, soldos, proventos e pensões. Os cidadãos privados, ademais de assustados com os tantos IPTUs e IPVAs cujos carnês recebem nos primeiros dias de janeiro, têm que seguir nesse ritmo de sufocante tepidez de verão. Jean-Jacques Rousseau adverte que “é a lassidão da nossa vontade que constitui toda a nossa fraqueza, e sempre se é forte para fazer o que se quer com força”.  E quem se preocupa com esse philosophe que viveu na frígida Genebra e não tinha ideia do que seriam estes nossos “tristes trópicos” do verão de musas desnudas que douram ao sol e outras “coisitas” mais.

Quando a vida recomeça depois do carnaval, o calendário começa a ser pontilhado dos feriados mais despropositados possíveis; em grande parte, feriados religiosos num país cujo Estado de define como “laico”… O mais grave é quando um magro feriado se transforma em feriadão por força dos tais dias “imprensados” (p.ex., um feriado que cai numa quinta-feira finda por abranger a sexta-feira que é vizinha do sábado ou um feriado que cai na terça-feira “imprensa” a segunda-feira, depois do repouso da sábado e domingo). Em 2012 teremos oficialmente “apenas” 11 feriados. A estes se agregam os estaduais e municipais, para fechar a conta de cerca de 20 ou mais feriados. Em boa hora a Justiça Eleitoral estabeleceu as eleições de 2012 para dois domingos (7 e 28 de outubro).

Grave é que, no viés econômico, isto tem um custo salgado: segundo estudo encomendado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro – Firjan, em cada dia parado a economia brasileira tem uma perda de no mínimo R$ 14 bilhões. Pouco importa.  Inda bem que a vida não se resume ao simples tilintar das moedas. Além do mais estamos no início de 2012 que, se estiver certa a profecia de Nostradamus, será o ano do fim do mundo, algo que faz lembrar versos de Rainer Maria Rilke, na primeira das suas Elegias de Duíno: “[…] Pois o belo não é/ Senão o início do terrível, que já a custo suportamos,/ E o admiramos tanto porque ele tranqüilamente desdenha/ Destruir-nos […]”.  É muita onda! Tudo assim levado na maciota, devagar-quase-parando, pois ninguém é de ferro.