Ilan Mateus é profissional de educação física.
Correr no parque, dançar em casa sem uma coreografia específica, passear de bicicleta, andar de patins ou bater uma pelada com os amigos, tornaram-se atividades obsoletas ou sem valor na era da produtividade do espetáculo. A ideia de que a atividade física precisa ser “eficiente” – em termos de construção estética ou de performance – reforça um padrão que exclui quem apenas quer se movimentar por lazer ou pela saúde.
É sabido que nas redes sociais os influenciadores esbanjam rotinas mega produtivas, com horários regrados e, em alguns casos, praticando mais de uma modalidade por dia, ornamentados com acessórios caros como relógios esportivos, tênis profissionais, roupas e óculos “low pace”. Embora essa onda fitness nas redes sociais seja bem vinda quando comparada a outros conteúdos que por vezes promovem um estilo de vida degradante, é importante refletir sobre o teor excludente que esse conteúdo propaga para boa parte da população que não consegue se encaixar neste contexto e ainda é culpabilizada por isso, afinal, você precisa mudar o “mindset”.
A supervalorização da “mentalidade de atleta” tem tomado conta das redes e a regra é clara: não basta se exercitar. Se você não possui “shape”, não encarou um triathlon ou não correu alguma meia maratona às 5:30 da manhã, o seu esforço não está valendo a pena. Este argumento, propagado inclusive por alguns “profissionais”, nega o fato de que diversos fatores interferem diretamente na dinâmica de se manter regular em um programa de exercícios físicos, por mais simples que ele seja. Além disso, coloca em escanteio os benefícios que podem ser obtidos através de outras variantes da atividade física, como a atividade física de lazer, levando o público leigo a acreditar que a única forma de se exercitar é através de um treinamento programado, periodizado e com metas específicas previamente definidas.
Mesmo que o número de influenciadores fitness tenha crescido nas redes sociais e, a ciência já tenha evidenciado e comprovado os inúmeros benefícios para a saúde atribuídos a prática regular de exercício físico, o mundo está se tornando cada vez menos ativo, com países chegando ao índice de 70% de inatividade física, segundo o Plano De Ação Global Para A Atividade Física 2018-2030 da OMS. Em 2024 o periódico científico Lancet Global Health nos apresentou uma nova pesquisa populacional, com cerca de 5,7 milhões de participantes, apontando que o mundo está cada vez mais inativo.
Vivemos uma era, especialmente nas redes sociais, em que somos constantemente pressionados a superar expectativas irreais para provar nosso valor. Espera-se que sejamos milionários antes dos 30 anos, que mantenhamos uma rotina impecável de exercícios físicos, mesmo em meio a contextos de vida adversos e exaustivos. Essa lógica nos leva a sentir fracasso e insuficiência quando não conseguimos acordar às 5 da manhã para treinar — afinal, às 6 já precisamos estar no ponto de ônibus a caminho do trabalho. Ou ainda, aquela mãe que, dividida entre os cuidados com os filhos e as tarefas domésticas, é rotulada como “fracassada” por não conseguir tempo para treinar. Porque, no discurso dominante, como assim você não tem tempo para cuidar de si mesma? Essa cobrança constante desconsidera a realidade e transforma o autocuidado em mais uma exigência dentro de uma lógica produtivista e excludente.
A indústria e seus influencers de “wellness & fitness” transformaram o que antes era intrinsecamente prazeroso em mais uma “meta” em nossas vidas, associando o exercício físico sempre a algo performaticamente estético, meritocrático e individual, negligenciando jornadas exaustivas de trabalho, transporte público de péssima qualidade, dupla jornada, escassez de espaços públicos que facilitem ou que promovam a prática de exercícios físicos, como também momentos de cansaço e baixa motivação, empurrando para o público um discurso leviano de “just do it!”, te convencendo que esse esforço é em nome da sua saúde e desenvolvimento pessoal, quando na verdade esse é o processo de construção de um corpo moldado na forja da “produtividade do espetáculo”.
A indústria fitness, por meio de seus discursos normativos, estratégias de marketing e apelos estéticos, tem adoecido o exercício físico ao convertê-lo em mercadoria e performance. O que antes era uma prática voltada ao lazer, ao bem-estar e à socialização, hoje é frequentemente desvalorizado se não estiver atrelado a resultados visíveis, métricas corporais ou padrões inatingíveis de beleza. Academias, influenciadores e marcas reforçam uma lógica em que o corpo deve ser moldado, exposto e validado, esvaziando o sentido mais genuíno da atividade física como prazer cotidiano. Na sociedade da produtividade e do espetáculo, a massa trabalha por shape ou por saúde? A resposta parece estar na primazia da imagem, que se impõe como valor central, muitas vezes acima da própria manutenção da saúde.