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Campeonato Brasileiro de futebol: a festa da betcracia

Agenor Florêncio é Doutorando (PPGCS) e Cientista Social pela UFRN e professor na Escola Estadual Adão Marcelo da Rocha

Neste final de semana começa a 70ª edição do Campeonato Brasileiro e a principal competição de futebol do país carrega em seu nome uma casa de apostas esportivas pelo terceiro ano seguido. O que significa em termos práticos? que o esporte mais popular do país impulsiona uma das principais alegorias especulativas que domina o imaginário social do trabalhador nos últimos tempos: a ideia de que a sorte nas apostas esportivas vai proporcionar o enriquecimento rápido e que a busca pelo sucesso e mérito da doutrina neoliberal estão sendo substituídos gradativamente pela alegoria da sorte.

Agora não é mais o sucesso do esforço individual e da busca pelo trabalho que vai levar os jovens ao abismo neoliberal da manutenção da extração de mais-valor e da manutenção da dominação de classe: a sorte é a grande pedida para que do dia para a noite o apostador erroneamente acredite que vai ser “o iluminado”, “o escolhido” para ter a suposta benesse do êxito financeiro mediante as suas investidas em casas de apostas. 

A ideia de sucesso vem dando espaço a ideia da sorte, substituindo a ideia do mérito e do esforço individual numa atmosfera na qual as casas de apostas vão dominando o cenário do futebol brasileiro. Por exemplo, no Brasil quase 80% das equipes são patrocinadas por empresas de apostas esportivas nas séries A, B e C do campeonato brasileiro. 

Em pesquisa recente, o Data Folha mostra que 32% dos jovens da classe trabalhadora acreditam que as bets podem levá-los ao enriquecimento rápido. A receita para a degradação da consciência crítica do jovem obteve êxito no país: com a nefasta reforma do ensino médio, o aumento de componentes curriculares voltados ao empreendedorismo e ao sucesso pessoal do seu “projeto de vida” (e não mais a busca para ter acesso a universidade e poder melhorar a condição da família através de maiores oportunidades profissionais) levam o jovem a acreditar que agora ele é um “empreendedor de si” e que o seu sucesso é questão de tempo. 

Em outra pesquisa recente do Procon (SP) foi percebido que 89% dos jovens entrevistados informaram que são bombardeados por propagandas de casas de apostas esportivas em todas as redes sociais que acessam. Aquilo que Buyng-Chul Han (2022) classificou como infocracia é perceptível no cenário das bets com o algoritmo dispondo de informações incessantes sobre jogos através da propaganda virtual e dos influenciadores digitais (ex-jogadores de futebol, jogadores de destaque mundial e até comentaristas esportivos) de forma onipresente. A sociedade da informação canaliza os anseios dos jovens sobre o seu futuro para estratégias publicitárias com o objetivo de entregar com as bets não apenas um produto de entretenimento associadas a emoção do risco de perder ou ganhar, mas a falsa sensação de êxito financeiro e status adquiridos com os acertos nas apostas realizadas.

Como se não bastasse a significativa quantidade de casas de apostas vinculadas às propagandas e seus influenciadores, os gurus digitais também surgem com pseudo esquemas de êxito financeiro através das apostas: Muitos chegam a vender cursos de como gerir a banca das casas de apostas e como ganhar muito dinheiro apenas com um ou dois bilhetes de apostas prontos, mas eles não revelam que a maior parte dos lucros estão nos cursos que vendem e não na sua ação enquanto apostadores. 

Penso que vivemos a era da betcracia: todas as atividades recreativas que produzem uma relação cultural com a ludicidade, a simbologia das práticas de sociabilidade como Huizinga (2006) demonstrou no pertinente Homo Ludens, vem sendo substituído gradativamente pela distorção da experiência lúdica pela relação intrínseca entre jogo, a sorte e o risco.

Do futebol a vaquejada e até mesmo a capoeira são tomadas pelo imperativo do jogo nas casas de apostas virtuais e, assim, a betcracia aprisiona todos nos dispositivos de poder vinculados ao endividamento. É através da alegoria da sorte numa estrutura monetizada que toda atividade recreativa que leva jovens e adultos ao imperativo do entretenimento e ao endividamento dos adeptos das apostas.