Giovanna Mantuano é educadora e socióloga (UFRN)
No jargão direitista, muito se fala em “esquerda do lacre”. A expressão ganha forma quando se critica alguns grupos da esquerda, quando estes em vez de focarem em pautas estruturais e na concretização de políticas transformadoras a longo prazo, desgastam o discurso em performance, centrado na visibilidade individual ou de pequenos grupos, sobretudo nas redes sociais. No lugar de buscar por mudanças radicais, estruturais e reais, essa tendência está preocupada excessivamente em “lacrar”: termo popularizado para descrever a atitude de triunfo retórico.
A superficialidade do discurso perde de vista as raízes estruturais das desigualdades econômicas, como a questão sistêmica da luta contra o neoliberalismo, a exploração do trabalho e as políticas públicas efetivas duradouras. Ao que parece, os “lacradores” estão mais preocupados com um certo tipo de destaque pessoal, aplausos ou uma forma de aprovação imediata nas redes sociais do que com a própria transformação no radical da sociedade. Essa dinâmica de vaidade enfraquece o movimento, pois concentra a “atuação” política numa forma de competição de quem está mais “politicamente correto”. Sem falar na cultura do cancelamento a cidadãos comuns, pessoas públicas ou aos próprios ativistas que cometem equívocos quanto aos seus posicionamentos. A “esquerda do lacre” produziu um ambiente hostil para o divergente e para a troca de ideias.
Mas não se sabe ao certo quando e onde a esquerda ocidental se perdeu. Contudo, em tese, boa parte dessas críticas atreladas a ela, faz sentido. É notório que o campo progressista ao priorizar as questões identitárias (como gênero, raça e orientação sexual), em detrimento das pautas trabalhistas e econômicas que a caracterizavam, impulsionou as críticas que atacam a descaracterização do movimento. O movimento se distanciou dos anseios centrais da classe trabalhadora, como renda e emprego. Essa nova roupagem criou o terreno fértil para a direita cooptar os setores populares com o discurso mais focado em economia.
A “esquerda do lacre” ou a “esquerda cirandeira”, como dizem os seus críticos, não está conseguindo equilibrar o discurso da justiça econômica com o discurso da justiça social, talvez seja esse o ponto central para o resgate da confiança dos setores médios da população. Muito embora os temas identitários abordem desigualdades importantíssimas, a falta de um discurso sólido e inclusivo em termos econômicos, afasta boa parte da base popular. Reconquistar o apoio dessa base, exige da esquerda reconciliação dos fatores econômicos com justiça social.