Um estudante de graduação da UFRN
Está em curso o 35° Congresso de Iniciação Científica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CICT-UFRN), evento destinado à comunidade acadêmica que tem como objetivo difundir as produções acadêmicas dos bolsistas de iniciação científica da UFRN. Gostaria de apontar alguns direcionamentos críticos e reflexivos em relação aos (não)parâmetros utilizados pelo evento, desde o processo de submissão até às bonificações oferecidas aos estudantes premiados. Antes de adentrar propriamente no tema, entendo que o atual cenário em que a comunicação científica se insere na sociedade civil é inteiramente diferente do que era antes da pandemia da Covid-19. Diversos estudos já comprovam que o tempo de tela dos aparelhos celulares aumentou substancialmente de 2020 até aqui, com isso, é possível inferir que o consumo de conteúdos oferecidos por mídias também segue o mesmo curso. A emergência de plataformas como Tiktok e a função Reels do Instagram fizeram com que nossa atenção fosse dirigida por algoritmos que buscam maximizar o tempo de tela do usuário, para as Big Tech’s isso é primordial, quanto mais tempo um usuário permanece online, quanto mais conteúdo se assiste, igualmente, mais rentável é para as gigantes da tecnologia – que não se cansam de vender nossos dados para anunciantes em suas plataformas.
Nesse sentido, o contexto atual parece dar razão aos estudos de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy que compreendem que a circulação de mercadorias no século XXI perpassa por uma “estetização” excessiva. A estetização é vazia no sentido em que o filósofo Walter Benjamin compreende como uma ausência de “aura”, isto é, a ausência de uma singularidade. Não à toa, parte do senso comum incorpora de forma pré-reflexiva o que Lipovetsky e Serroy diagnosticaram como patologia. Muitos profissionais liberais se dedicam mais ao seu perfil do instagram do que a um processo de formação continuada na própria profissão; hoje fala-se, por exemplo, em “ambiente instagramavel” em lojas, bares e restaurantes – uma expressão frívola que busca dizer que “tirar uma foto ali” será bem visto no seu perfil. Se a sociedade civil tem incorporado essa estetização excessiva, com a Universidade não foi diferente (embora pudesse).
Retornando à unidade de análise, o CICT não escapa inteiramente do processo de instagramalização do conhecimento, ou melhor, da tiktokrização. Antes da realização do evento, os bolsistas de Iniciação Científica (IC) precisam submeter o relatório final da pesquisa e, junto a isso, uma apresentação em formato de vídeo. Porém, as coisas começam a complicar quando o tempo para apresentação é de aproximadamente 1 minuto e 45 segundos se levarmos em conta os elementos obrigatórios que devem estar no vídeo como “introdução” e “agradecimentos”. Sim, tem-se, na prática, menos de 2 minutos para apresentar 01 ano inteiro de trabalho. Contudo, não vou me ater a esse aspecto por si só demasiadamente grosseiro. O que me chamou bastante atenção foi a seguinte orientação contida no Guia para Produção de Vídeos: “O vídeo deverá apresentar o seu trabalho de forma concisa, clara e atrativa. Seja criativo e explore diferentes formas de apresentar seu trabalho de maneira envolvente e interessante”. Não me recordo a partir de qual período da história a apresentação de um trabalho científico, que pressupõe seriedade e dedicação, tivesse que ser “atrativo” e “criativo”. Para o CICT, aparentemente é mais importante que um vídeo contenha efeitos especiais, linguagem de senso comum e exemplos cômicos do que propriamente uma comunicação científica per si. Além disso, pior do que o
pensamento utilitarista que permeia as avaliações que premiam os alunos, é colocar o adjetivo de “interessante” ao lado de “envolvente”, dando a entender, mais uma vez, que a performance e a forma importam mais que o conteúdo. Estaria a ciência sendo também “estetizada”? Creio que sim.
Não obstante, a PROPESQ permite que os bolsistas concorram a 02 premiações, sendo elas a) trabalho destaque e b) melhor vídeo. Sim, se sua pesquisa não seguir critérios minimamente rigorosos você ainda pode ser reconhecido institucionalmente em função de sua performance. Além disso, se tratando do a) trabalho destaque, temos outra pedra no sapato. Trata-se dos critérios utilizados na avaliação, segundo a organização do evento “Os trabalhos submetidos pelos alunos de iniciação científica e autorizados pelos respectivos orientadores serão avaliados por consultores especializados por meio do Sigaa”. Quais critérios são levados em conta? Os consultores são da área em que se localiza a pesquisa? São avaliações às cegas? Não sabemos. Como aluno de um curso de ciências humanas, eu ficaria bastante surpreso se algum dia um trabalho teórico ou filosófico fosse premiado. Claro, não é surpresa para ninguém que o pensamento utilitário faz a cabeça de vários quadros institucionais (não somente na UFRN, mas no Brasil de forma geral), nesse sentido, muitas vezes percebemos a confusão entre “técnica” e “ciência”, que acaba atribuindo ao segundo as características do primeiro. Além de tudo isso, de todos esses percalços e obscuridades que desestimulam a vida acadêmica, a Iniciação Científica continua sendo um dos programas essenciais para a formação de pesquisadores no país, mas isso não nos impede de refletir um pouco sobre seus pressupostos.