Giovanna Mantuano é educadora e socióloga
Apesar de o homeschooling (ou ensino domiciliar) ser uma modalidade de ensino comum em países como os EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, França, Itália, Reino Unido, Suíça, Dinamarca, Holanda e Finlândia, só para citar os economicamente mais ricos da lista, seus efeitos devem ser observados individualmente, de país para país. Na prática, o homeschooling constitui-se como algo que nos remete aos tempos aristotélicos. Se, em princípio, essa modalidade de ensino sugere que a educação ministrada por pais e especialistas da área fará com que os indivíduos possam ser formados de maneira mais crítica, sem estarem sob a tutela instrutiva do estado, na prática, sobretudo em relação à realidade brasileira, o homeschooling assemelha-se quase a um capricho, onde os custos só podem ser bancados pelos ricos.
O liberalismo corrobora campanhas contra o ensino patrocinado pelo Estado, sob o pretexto de contenção de gastos públicos, todavia, na prática, o homeschooling não tem condições de atender as camadas mais pobres da sociedade, as quais mal têm como manterem-se apenas com um salário mínimo. Isto é, a dita educação promovida sem a tutela do Estado não consegue, especialmente no que diz respeito à realidade brasileira, se efetivar como meio formativo coletivo.
No Brasil, o homeschooling é difundido pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED). No sítio da ANED, encontra-se uma defesa de uma educação pautada na autonomia educacional familiar, tendo como premissa a liberdade da escolha do gênero de instrução a ser ministrada a seus filhos. Por rigor científico, é preciso dizer que, de fato, o homeschooling à moda brasileira, acompanhando às práticas internacionais, não tem intenção de substituir, em termo macro, a educação promovida pelo Estado. Configura-se mais como a vigilância integral da educação e aprendizagem dos filhos de pais ricos, os quais anseiam por ter domínio completo da formação dos indivíduos sob suas tutelas – ignorando, desse modo, a possibilidade de experimentar a vivência com a diversidade, que seus filhos teriam, caso estivessem matriculados em escolas públicas ou privadas.
A escola é um ambiente voltado para a reflexão e a convivência com o contraditório, chamo a atenção para algo cuja preocupação compartilho: a educação domiciliar pode camuflar sujeitos da exposição dos atos e dos fatos cotidianos familiares, fatos que possam afetar a integridade das crianças e dos jovens. A proposta domiciliar cuja pretensa é de proteção, pode reverberar em desamparo e/ou impunidade, isso porque a escola pode ser, de fato, um ambiente de denúncia de violências diversas, inclusive os abusos de cunho sexual no ambiente doméstico. Ou seja, em nome de uma educação sem a tutela do Estado, os pais optam por uma via de ensino que pode, além de proporcionar uma aprendizagem deficitária, promover os abusos.
É preciso que observemos, cautelosamente, os resultados desta modalidade de ensino, tanto no que diz respeito a não participação dos indivíduos ao âmbito de compartilhamento de produção científica, que é a comunidade escolar, quanto no tocante a possíveis violências – de toda sorte – que crianças e adolescentes possam padecer sob a proteção dos pais.
Apesar das intenções bem-intencionadas de algumas famílias, o homeschooling no Brasil enfrenta desafios, incluindo a falta de socialização adequada para as crianças, a possível desigualdade na qualidade da educação devido à formação dos pais, e a dificuldade de fiscalização e regulação por parte do Estado. Essas questões podem exacerbar as desigualdades sociais e educacionais, limitando o desenvolvimento cognitivo, social e cívico das crianças. Além disso, a ausência de um ambiente escolar estruturado pode aumentar o risco de abuso e negligência não detectados. Portanto, manter as crianças em um sistema educacional formal é essencial para garantir uma educação equitativa para todos.