Giovanna Mantuano
Domingo, 10:00 da manhã.
Mercadorias me espreitam, me conduzem, me traduzem, me perseguem. Ali, as rotas comerciais se entrecruzam, e de repente tudo faz sentido. Um zumbido distante ecoa: “três por dez”, “dois por cinco”, “leva tudo!”.
“O brejo cruza a poeira de fato existe
Um tom mais leve na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas que fitar
Mas que bebem sua vida, sua alma
Na altura que mandar”
Senhoras rendam, senhoritas fitam os homens viris que cortam a cana para o caldo guarapo. Em meio a frutas maduras, doces e meio verdes, a feira segue seu curso sem maiores explicações. É um ritual, uma celebração de costumes. O comércio se manifesta como uma festividade rotineira. Não é dia santo, mas parece feriado.
Fixo os olhos na pedra no alto da montanha mergulhada em recordações. Retrospectiva, em análise.
– A serra! Ah, a famosa serra! A pedra do brejo que corta a cidade ao meio, letárgica e imponente.
“Neblina turva e brilhante
Em meu cérebro, coágulos de sol
Amanita matutina
E que transparente cortina ao meu redor”
“Seja bem-vinda a Brejo do Cruz da Paraíba”, terra do majestoso Zé Ramalho que narrou seu velho grado em nordestinês cristalino:
“Um velho cruza a soleira, de botas longas, de barbas longas, de ouro o brilho do seu colar, na laje fria onde coarava, sua camisa e seu alforje de caçador, o meu velho e invisível, avôhai, o meu velho e indivisível, avôhai”.
Num estalo, volto à realidade, acordando das lembranças letárgicas da infância. Recupero meus sentidos. E então, a consciência me invade: avôhai está comigo. Seu monóculo, minha herança, meu relicário afetivo.