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Desdobramentos das políticas conservadoras na educação do país

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Giovanna Mantuano é mestre em ensino, educadora e socióloga

Segundo Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido (1996), o papel da escola e do professor é o de proporcionar aos alunos os caminhos para suas respostas e projetos de vida em sociedade. O estudante é visto sob a ótica de um ser pensante, capaz de raciocinar e questionar seu entorno. A sua teoria estimula o raciocínio e a pluralidade de opiniões. Quase três décadas mais tarde, entretanto, a educação brasileira segue na contramão das ideias de Freire. Segue-se o avanço de programas e políticas conservadoras, nos quais sujeitam nosso projeto educacional a reduzir o papel emancipador da escola.

Exemplos não faltam das investidas do novo conservadorismo político na educação. Projetos e programas como o Homeschooling, Escola Sem Partido, militarização e projeto de militarização das escolas públicas, assim como a invenção de termos e suas distorções da realidade, como “ideologia de gênero”, “kit gay”, “doutrinação ideológica”, seguem no sentido contrário do papel libertador de escola proposto Freire e os setores mais críticos da pedagogia mundial. A escola, neste prisma, tornou-se campo de disputa de valores, onde o avanço liberal-conservador, junto ao setor empresarial da educação, ligado aos setores mais reacionários da sociedade, mira um modelo educacional tecnicista. Instrumento político-discursivo de alienação que busca estabelecer um modelo totalitário com a finalidade de provocar a alteração das pautas morais. Com o discurso de “doutrinação ideológica” vieram seus predicados, como a reforma do ensino médio, o movimento Escola Sem Partido, o Homeschooling e a criação do PECIM em fomento à militarização das escolas públicas.

É Stanley (2018) que vai dizer que estas são práticas políticas conservadoras com características fascistas, uma vez que deixa de dar acesso a diferentes perspectivas, desrespeita a especialização ao se esgotar em seu próprio conhecimento e em uma linguagem insuficiente para descrever com precisão a realidade. Mina o discurso público, atacando e desvalorizando a educação, de modo que se torna impossível haver um debate inteligente com diferentes perspectivas.

Importa dizer que o conservadorismo enquanto categoria política, visa manter, dar continuidade e conservar a ordem estabelecida, busca conservar tanto o sistema político quanto às instituições, assim como também reafirma a moral hegemônica em voga e pauta a orientação acerca de qual religião o corpo social deve seguir. O conservadorismo na educação pode se manifestar de várias maneiras, pois é uma abordagem que busca preservar tradições, valores e práticas culturais, como na construção de um currículo tradicional para o destaque de ensinamentos clássicos e os fundamentos da cultura, cultura essa que seria irrevogável, estática, pouco ou quase nada aberta a grandes transformações, sobretudo, as mais radicais.

Eles dão ênfase nos valores morais e religiosos: Conservadores frequentemente buscam promover valores morais e religiosos na educação, argumentando que esses valores são essenciais para o desenvolvimento moral e social dos alunos. Isso pode envolver a introdução de princípios éticos e religiosos no currículo escolar e/ou o proselitismo religioso: prática recorrente no momento atual do país e outrora, com disciplinas de ensino religioso, pouco comprometida com a laicidade do Estado.

Há uma centralidade quanto ao papel da família: Conservadores enfatizam a importância da família na educação e defendem a colaboração estreita entre escola e família. Eles podem apoiar a autonomia dos pais na escolha da educação de seus filhos (como no exemplo do Homeschooling) e resistir a intervenções do Estado na educação escolar e familiar.

Criticam os setores mais progressistas e suas abordagens pedagógicas, como as ideias, escritos e práticas de Paulo Freire, por exemplo. Eles podem argumentar a favor de métodos de ensino mais tradicionais, com maior ênfase na transmissão de conhecimento e na autoridade do professor, relegando os alunos a meros receptores de conhecimento e pouco autonomia.

As políticas educacionais conservadoras promovem a descentralização do sistema educacional, dando mais autonomia às escolas, às comunidades locais, e aos pais, mesmo que estes não estejam preparados ou gabaritados para tais funções. Eles podem resistir a mudanças radicais e a interferência de setores progressistas, além de reforçar a ideia de que o Estado deve interferir minimamente.

Não se pode esquecer das críticas aos movimentos sociais: Esta ala se opõe a certos movimentos que não estão de acordo com o espectro político que vos agrade, principalmente os que buscam mudanças significativas, especialmente se perceberem essas mudanças como uma ameaça aos valores tradicionais. Isso pode incluir resistência a reformas curriculares que abordem questões sociais humanitárias de interesse coletivo: Educação sobre diversidade e inclusão: Programas que promovem a inclusão de minorias étnicas, raciais, religiosas, e LGBTQ+ podem ser contestados por conservadores que veem essas iniciativas como uma forma de doutrinação ideológica. Educação sexual inclusiva: Muitas vezes se opõem a programas de educação sexual que incluem informações sobre diversidade de gênero, identidade sexual e orientação sexual. Currículo de história crítica: Abordagens críticas que destacam injustiças históricas, colonialismo, racismo sistêmico e outras formas de opressão. Ensino de teoria crítica: Abordagens pedagógicas que incorporam teorias críticas, como o marxismo, feminismo e estudos pós-coloniais. Políticas de inclusão de gênero: Medidas que promovem a equidade de gênero, como cotas para mulheres em cargos de liderança ou programas de incentivo à participação feminina em áreas tradicionalmente dominadas por homens. Em suma, com a nova reestruturação dos conservadores no país, a pauta dos costumes se espalhou por vários setores da educação, o que não significa dizer que estes estão comprometidos com a democratização da sociedade e a justiça social.

Fazendo uma análise reflexiva quanto aos projetos, programas e ideais citados acima, mesmo que muitos deles tenham sido derrubados no campo legislativo, não se pode perder de vista que a ascensão do novo conservadorismo no campo educacional não se encerra em um PL e/ou programa governamental. As agendas das novas direitas extrapolam os projetos institucionais e configuram um fenômeno enquanto movimento político em sociedade, dando brechas para falácias como a “doutrinação marxista” nas escolas, sob o pretexto de que a escola (essencialmente) democrática se tornou um lugar de ideologia – sugerindo, implícita e explicitamente que as propostas conservadoras poderiam oferecer um ensino “livre” de “ideologia”, ou, “livre” de “doutrinação”.

Porém, essa tração conservadora na educação não se deu sem resistência dos grupos políticos organizados mais à esquerda. A tentativa de barrar os avanços da direita (e extrema-direita) se dá tanto por meios institucionais – barrando projetos de leis como o conhecido “Escola Sem Partido” e o Homeschooling – quanto pelo ativismo em rede auto organizado.