Miguel Dias, professor de Relações Internacionais.
Quando o cidadão brasileiro se vê mergulhado em uma teia de dificuldades para ter acesso a transporte público confiável e eficiente, quando as empresas lutam para transportar rapidamente seus produtos em estradas precárias, quando as vozes da população ecoam indignadas sobre a excessiva carga fiscal que sufoca o empreendedorismo e a iniciativa privada, quando observamos o contraste entre a vasta riqueza natural do Brasil e parte do desenvolvimento estagnado, quando somos confrontados com a triste realidade de casos intermináveis de fraudes e corrupção que minam a confiança na esfera pública, quando a justiça e a saúde, pilares fundamentais da sociedade, falham em cumprir suas missões básicas de forma oportuna e eficaz, e quando a administração pública se mostra como uma máquina gigantesca, burocrática e ineficiente, é a isso que nos referimos quando evocamos o temido e demonizado “Custo Brasil”.
No panorama global das relações internacionais, há fenômenos que transcendem fronteiras físicas e culturais, impactando a percepção e as interações entre nações. Um desses elementos é o conhecido “Custo Brasil”, uma expressão que encapsula uma miríade de desafios estruturais, burocráticos, trabalhistas e econômicos que afetam profundamente o tecido socioeconômico do país. No entanto, mais do que uma simples análise interna, é crucial compreender como essa realidade nacional se reflete no âmbito internacional, influenciando a imagem e a posição do Brasil no contexto global.
Inicialmente, é essencial desvelar o conceito subjacente ao termo. O “Custo Brasil” é mais do que uma expressão informal; é um indicador tangível do nível de dificuldade e esforço necessários para produzir e transacionar no território brasileiro. Por trás dessa fórmula aparentemente simples residem fatores complexos que asfixiam a economia nacional e comprometem sua competitividade internacional. No entanto, devemos questionar se o “Custo Brasil” é um produto das ineficiências naturais ou se, de fato, é um projeto engendrado voluntária e estrategicamente por alguns atores políticos e gestores que se beneficiam da estagnação e da falta de progresso. Diante desse cenário, é legítimo questionar se o “Custo Brasil” é apenas resultado de ineficiências estruturais ou se é, de fato, um projeto orquestrado por interesses escusos.
Para compreender o impacto do “Custo Brasil” além das fronteiras, é fundamental explorar seus principais pilares. A tributação excessiva, caracterizada por uma complexa teia de impostos e contribuições, mina a competitividade das empresas brasileiras no mercado global, gerando distorções nos preços e prejudicando a capacidade de exportação. A deficiência na infraestrutura, que inclui redes de energia elétrica instáveis, sistemas de comunicação inadequados e acesso limitado a internet de qualidade, bem como deficiências no saneamento básico, não apenas impacta negativamente na produtividade das empresas, mas também prejudica a competitividade do país em um mundo cada vez mais digitalizado. Além disso, a alta burocracia, caracterizada por trâmites intermináveis e custos administrativos exorbitantes, mina a agilidade e a eficiência das empresas, sufocando a inovação e o crescimento.
Esses elementos não são meramente domésticos; têm ramificações internacionais profundas. O Brasil, aos olhos do mundo, é visto como um país com potencialidades imensas, mas atolado em entraves que dificultam seu desenvolvimento interno e externo. A imagem de uma nação com potencialidades de riqueza (petróleo, agronegócio, café, soja, carne bovina, etc.) e um povo criativo e talentoso é obscurecida pela névoa do “Custo Brasil”, que desestimula investimentos estrangeiros, afasta parceiros comerciais e limita o alcance da diplomacia brasileira.
No âmbito das relações internacionais, os Estados são constantemente avaliados e posicionados em uma rede complexa de indicadores e rankings que medem sua competitividade, eficiência e capacidade de se adaptar às mudanças globais. No entanto, por trás dessas métricas aparentemente objetivas, encontramos nuances e realidades que transcendem as fronteiras nacionais. Apesar de algumas mentes menos esclarecidas ou influenciadas por radicalismos partidários negligenciarem o impacto do “Custo Brasil”, é inegável que esses desafios não apenas comprometem o desenvolvimento interno do país, mas também acarretam implicações significativas para sua posição e influência no contexto internacional. Neste contexto, é crucial examinar: como o “Custo Brasil” se manifesta nos indicadores globais de competitividade e eficiência, e como essas consequências refletem nas dinâmicas das relações internacionais?
No contexto internacional, os indicadores revelam uma realidade sombria para a economia brasileira. Posicionando-se consistentemente em patamares desfavoráveis nos rankings globais, o Brasil é confrontado com uma série de desvantagens estruturais que minam sua competitividade e capacidade de atrair investimentos. O índice Doing Business 2020 do Banco Mundial, onde o Brasil figura na 124ª posição entre 190 países, reflete as dificuldades enfrentadas pelas empresas brasileiras para lidar com regulamentações onerosas e um ambiente de negócios desafiador. Além disso, o Indicador Product Market Regulation 2018 da OCDE, onde o país ocupa a 47ª posição entre 49 países, evidencia as barreiras regulatórias que tolhem a atividade econômica. O Global Competitiveness Index 2019 do Fórum Econômico Mundial, com o Brasil classificado na última posição entre 141 países na dimensão de fardo regulatório, aponta para a incapacidade do governo brasileiro em responder de forma eficaz às mudanças globais. E o Anuário de Competitividade Mundial do IMD 2023, onde o Brasil se encontra na 60ª posição entre 64 países, destaca a ineficiência dos negócios e do governo, bem como o fraco desempenho econômico do país. Esses dados pintam um quadro desolador de uma economia que luta para se libertar das amarras do “Custo Brasil” e competir em um mundo cada vez mais exigente e dinâmico.
Diante da magnitude do desafio representado pelo “Custo Brasil”, refletir e discutir sobre suas ramificações se torna não apenas uma necessidade, mas uma urgência imperativa para o futuro do país. O “Custo Brasil” corresponde a uma estimativa alarmante de R$ 1,7 trilhão (correspondente a 19,5% do Produto Interno Bruto de 2022), revelada pelo Movimento Brasil Competitivo em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, lança luz sobre a dimensão descomunal desse problema, que drena recursos vitais da economia brasileira.
Para superar esse obstáculo, é essencial que os cidadãos assumam um papel ativo de verdadeira cidadania, exigindo transparência, accountability e eficiência dos agentes públicos e privados. Somente por meio de uma participação engajada e vigilante da sociedade civil, aliada a instituições democráticas sólidas e eficazes, é possível criar um ambiente propício para a erradicação do “Custo Brasil” e o florescimento de um país verdadeiramente próspero e justo.
Até que ponto estamos dispostos a enfrentar as raízes do “Custo Brasil”? Será que estamos preparados a superar os interesses obscuros e a inércia que perpetuam essa realidade, em prol de um país verdadeiramente justo e próspero para todos os seus habitantes, sejam eles brasileiros ou estrangeiros? A resposta a essas perguntas não reside apenas nos corredores do poder político, mas sim na consciência e na ação de cada um de nós, como cidadãos responsáveis por moldar o destino desta promissora nação. A mudança real só ocorrerá quando estivermos dispostos a desafiar as normas estabelecidas e a lutar por um Brasil que verdadeiramente honre seu potencial e sua diversidade. Quero acreditar que, um dia, os cidadãos irão dedicar mais atenção às prioridades do país do que às horas gastas a acompanhar um reality show. A população brasileira teve uma participação na eleição presidencial (2022) com 118 milhões de votos, enquanto a votação do vencedor do Big Brother Brasil (2024) atingiu 245 milhões de votos. É motivo para perguntar: onde, uma parte significativa, dos brasileiros está direcionando a sua atenção?
Que a democracia se consolide não apenas como um ideal abstrato, mas como uma realidade tangível, capaz de garantir a prestação de contas e a fiscalização efetiva dos diversos agentes dos poderes públicos. Somente assim o Brasil poderá verdadeiramente cumprir seu destino como uma nação de potencial ilimitado, liberando-se das amarras impostas pela ineficiência, que por tanto tempo têm sido obstáculos ao seu pleno desenvolvimento.