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Lei para inglês ver: repensando a proibição do uso dos celulares nas escolas do RN

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Giovanna Mantuano é socióloga e educadora

Andréia Nóbrega é professora e linguista

Em janeiro deste ano, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte promulgou a lei que proíbe o uso de celulares “para fins não pedagógicos” em salas de aula no estado. De autoria do deputado estadual Hermano Morais (PV), a lei veda o uso de celulares nos horários de aula nas escolas de ensino fundamental e médio, e é válida para as redes pública e privada.

São leis como essa que nos convidam a pensar que muito do que se produz no imaginário coletivo ou no pensamento do brasileiro médio é que as tecnologias digitais estão acabando com a sociabilidade, principalmente a dos jovens. E quando esse tema é colocado em tela numa intersecção entre “jovens e educação”, o pânico moral tende a ser um fator predominante. A principal queixa docente é a baixa participação dos alunos e a falta de atenção em sala de aula, onde há uma disputa pelo foco dos estudantes com seus celulares em mãos. 

Em uma visão genérica, a moralidade no discurso de que os adolescentes não podem misturar celulares, computadores e tablets no contexto educacional ou então haverá sérios riscos na aprendizagem indica que há muita generalização e pouco investimento em pesquisas empíricas que mostrem quais os tipos de uso das redes há por parte dos estudantes. Ocorre uma inquietação sobre a possibilidade de as tecnologias e as mídias sociais serem uma eventual distração no processo educativo. Mas em alguns contextos, percebe-se que os jovens não estão apenas presos à tecnologia como numa visão negativa do fato, estão ali por motivações pessoais, coletivas e por laços socioafetivos. 

De 2011 para cá, como descreve Carneiro, assistimos a revoltas populares e rearranjos políticos motivados pela auto-organização estudantil nas redes do digital. Às vezes, não se pode generalizar pessoas ou situações, o uso das redes sociais digitais pode ser uma distração da escola, mas não uma distração da aprendizagem e da sociabilidade.

O moralismo que habita as ações escolares não se dá de maneira horizontal, pois se os alunos não sabem usar o digital em sala, os professores também não o sabem, tanto pelo fato de também usarem para questões paralelas à aula, como também pelo fato de não adaptarem seus planejamentos a uma realidade cada vez mais conectada. O uso dos aparelhos não entra na lógica de substituição: o uso positivo (pedagógico) no lugar do uso negativo (dispersivo). Os alunos usam para fins pedagógicos e também operam por gostos paralelos na hora da aula e, contraditoriamente, alguns, obtêm desempenho satisfatórios nas atividades pedagógicas.

Não se trata de assumir uma posição contra ou a favor do fato – ele já está dado, e cabe aos pensadores contemporâneos, frutos de seu tempo, refletir os usos e as formas de socialização que envolvem suas apropriações, sobretudo no ensino. As moralidades que esse tema levanta giram em torno da proibição e a tentativa de barrar tais usos em contextos pedagógicos, como no caso da lei sancionada no RN e em outros estados. A questão digital, bem como seus usos, portanto, estão para além de debates morais como em uma visão simplista do fenômeno, se este é pedagógico ou dispersivo. Precisa-se, neste sentido, que sejam feitas mais pesquisas empíricas e contextuais para o avanço do debate e para novas proposições em termos de qualidade para o ensino.

O uso das tecnologias e as moralidades que permeiam sua inserção na escola nos mostram a falsa ideia de que a realidade escolar seja um mundo à parte da sociedade. Por mais que o espaço escolar seja um espaço arregimentado e moralizante, este não é alheio à realidade hiperestimulada como é a nossa. Se o digital ocupa espaço em todas as esferas da vida cotidiana, porque não ocuparia espaço no ambiente de aprendizado? Na verdade, não há porque advogar entre pontos positivos ou negativos como numa visão simplista e fatalista do fenômeno. Deve-se aderir cem por cento ou proibir o uso dessa tecnologia em sala? Ocorre que esta já é uma realidade dada, cabe a nós, enquanto professores, adaptar à realidade do ensino a conectividade.

Proibir os celulares nestes ambientes como um fator moralizante, coagir o aluno por meio de sanções não se apresenta como uma solução ideal. Prova disso são as pautas largamente proibidas na sociedade, como o aborto e o uso de drogas e que, mesmo na iminência das sanções, não inibem as práticas desviantes. Proibir não parece ser o caminho. Talvez seja o caso de assegurar que ele possa usá-lo em benefício da sua formação e das aprendizagens diversas.

“Lei para inglês ver” pois sugere que a legislação é criada apenas para cumprir uma formalidade ou aparência, sem uma real intenção de aplicação ou eficácia. Foi criada apenas para dar a impressão de que algo está sendo feito, mas que na prática não é aplicada. No caso da proibição de celulares nas salas de aula, essa normatização pode ser considerada como tal porque, apesar de existir, não é efetivamente implementada ou controlada pelos professores e pela escola. Os alunos continuam a usar celulares durante as aulas, e a deliberação pode não ter o impacto desejado na redução do uso de dispositivos eletrônicos durante as atividades escolares. Sendo, como muitas outras regulamentações, apenas para cumprir uma formalidade.

Ainda não se tem como dimensionar e nem prever quais mudanças de comportamento essas tecnologias podem trazer para a vida humana. De fato, há desvio da atenção ao conteúdo dado pelo professor, em que os estudantes operam por gostos paralelos à aula, no entanto, como foi visto, o fato deles optarem pelo conteúdo de massa não os impede de obter desempenho satisfatório na escola. É urgente que se pense sobre o uso e que se passe a planejar aulas que englobam conectividade a partir de metodologias ativas, fazendo com que, ao invés de competir pela atenção dos alunos, os professores tentem resgatá-la por meio da mesma tecnologia.