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As escolas humanizadas são as escolas das elites

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Giovanna Mantuano é educadora e socióloga

Thalles Paiva é professor de história da rede pública

Pesquisar sociológica e empiricamente compete em quebrar padrões científicos e paradigmas já cristalizados no curso acadêmico. A ideia reiterada, especialmente entre os meios letrados alternativos, de assuntos caros à educação, pedagogia e sociedade, é que a Educação Bancária, criticada por Freire (1968), é a abordagem pedagógica preferida dos ricos. Estes, supostamente, querem que seus filhos assimilem os conteúdos que cairão nos processos seletivos, provas, vestibulares, operando unicamente pela via conteudista. Estamos falando do campo da generalização onde se generaliza e ignora pessoas, situações e métodos.

Todavia, na sociedade moderna o fator humano que se sobressai é a subjetividade e a abstração. O que se quer dizer com isso? Em uma pesquisa rápida pelo Google, temos acesso a informações — e aqui, nem precisa de um estudo acurado e empírico, comuns a pesquisas contextuais — para que se saiba que quem usufrui da pedagogia libertadora, resultante de pesquisas e métodos inovadores, modernos, não tradicionais, que estimulam o livre pensamento crítico no lugar do puro e simples “conceber e operar” taylorista, são os filhos da elite. 

São as escolas particulares desse país que gozam de uma educação fundamentada em pedagogos considerados transgressores a pedagogia tradicional, eles se valem de métodos de Maria Montessori, Jean Piaget, Lev Vygotsky, o próprio Dewey e, em alguns casos, o radical Célestin Freinet.

É neste sentido que se encontra a teoria histórico-cultural de Vygotsky, que em termos de prática, é majoritariamente aplicada em colégios particulares. Sua teoria consiste na práxis docente das zonas de desenvolvimento proximal que delimita o professor como parceiro privilegiado por sua vivência sistematizada de informações, que opera no desenvolvimento cultural das crianças auxiliando em sua maturação psicológica. A transformação do processo pessoal de conhecimento focaliza na relação entre ensino e desenvolvimento. O aspecto central dessas etapas de discussão pedagógica, compreende que o aluno pode realizar sozinho determinadas ações de autonomia na aprendizagem, contudo, os indicadores de escolaridade revelam que o ensino mediado na zona de desenvolvimento proximal fomenta habilidades propícias até o desenvolvimento potencial final. Conquanto, tais premissas são deixadas de lado nos espaços escolares da classe trabalhadora em decorrência da superlotação de salas e demais problemas estruturais que transformam o ensino público em ambiente contrastante de aplicabilidade classista das correntes pedagógicas inovadoras e/ou revolucionárias.

São as escolas particulares, e em consequência delas, que os filhos das elites desfrutam de uma educação de ponta, baseada em movimentos como a Escola Nova, Escola Moderna, Pedagogia Libertária de Freinet, com todo o conhecimento crítico ancorado nas ciências humanas e filosóficas de maneira inter, multi, pluri e transdisciplinar.

Ora, o rico não quer que seu filho seja “lesado”, alienado ou alheio à realidade que o cerca. Esse senso compartilhado que descreve o rico apenas como um conteudista, robotizado em suas funções, pouco sensível e nada humanizado é balela para vender teorias. Prova disso são as produções artísticas, literárias, filosóficas e toda a sensibilidade comum às artes: a autoria delas, em sua maioria, advém dos sujeitos oriundos das classes mais altas, mais abastadas, vem da burguesia. O que implica dizer que estes não são tão insensíveis como se rotula por aí. O rico não é alheio às questões existenciais, afetivas, emocionais e tudo o que envolve o seu lado mais humano (já os seus respectivos posicionamentos ideológicos, aqui, não entra em questão).

O método conteudista não opera sozinho e não exclui outras abordagens didático-pedagógicas de propostas inovadoras em desacordo ao modelo tradicional. A crítica que pode ser feita é que as escolas alternativas, de metodologias “desviantes”, estão quase sempre em escolas particulares de mensalidades altíssimas, o que gera uma grande contradição, pois a proposta de autores de esquerda como a do francês anarquista Célestin Freinet, que pensou uma escola que servisse aos interesses de classe, lembrando Marx, seja deixada de lado, sujeitando a metodologia libertária às escolas das elites que de nada serve às classes populares.

Pesquisar autores como Célestin Freinet, Jean-Jacques Rousseau e os respectivos pedagogos humanistas, bem como Vygotsky – autor de influências marxistas – fica claro os abismos existentes em relação às grandes teorias e sua aplicabilidade cotidiana. Aqui há uma grande contradição. A escola pública da classe trabalhadora não acessa os métodos pedagógicos pensados para ela, demonstrando na vivência didática que as escolas humanizadas são as escolas das elites.