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Aparta-te do mal, e faze o bem: busca a paz, e segue-a… Amem!

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Um dia qualquer, em uma tarde qualquer, decidi que era tempo de eu ter, finalmente, uma cópia da chave de minha casa. Por morar no Centro da cidade do Natal, saí de minha casa e dei apenas alguns duzentos passos até chegar ao chaveiro mais próximo.

Ao adentrar no estabelecimento, tive uma verdadeira retrospectiva do passado: todos os instrumentos e ferramentas de trabalho eram vintages – outra palavra para referir-se a materiais de trabalhos envelhecidos e do ‘tempo do bumba’; é importante que fique registrado: eu amo o Bumbameu-boi, o qual fez parte de minha infância).

Era tudo muito velho, desde a prensa até bancos de espera. Bati palma… uma, duas vezes. Lá de dentro de sua câmara, um velhinho diz:

— Pois não ­— enquanto mexe em alguma coisa. Certamente, trata-se da confecção de uma chave nova.

Objetivamente, falei a ele que gostaria de uma cópia de chave. Sem muita conversa, ele solicitou-me a chave original e pediu que eu esperasse, que em breve eu teria minha cópia.  Assim o fiz.

Sou curioso, gosto de observar o mundo ao meu redor. Fiquei ali, observando os móveis e as ferramentas. Ao olhar para as paredes, vi uma tábua com uma frase talhada nela, que muito me chamou atenção: Aparta-te do mal, e faze o bem: busca a paz, e persegue-a (SL, 34: 14). Inevitavelmente, relacionei a sabedoria hebraica ao senhor que me atendeu. Pensei comigo: esse conselho e apenas esse, é suficiente para nos manter vivos, ao ponto de chegarmos à velhice, se infortúnios e incidentes não nos acometerem.

Entre um pensamento e outro acerca da sabedoria contida na frase entalhada, o velhinho surgiu em minha frente, com as chaves em mãos.

— Aqui estão suas chaves.

— Quanto foi o serviço, senhor?

— Quatro reais.

— Está bem — paguei ao senhor. — Obrigado!

— Obrigado a você, meu filho.

— Senhor!

— Pois não.

— Deixa eu perguntar uma coisa.

— Sim.

— Essa frase — apontei o dedo indicador para a madeira talhada —, o senhor acredita mesmo nela.

— Bem, meu filho, eu estou aqui, não estou, estou velho, não estou? — disse o senhor, com o ar de gracejo e sorriso no rosto, como quem compreendia exatamente o que eu estava perguntando; ele respondeu, ao perguntar, como quem aquiescesse à minha indagação.

Saí do estabelecimento satisfeito duplamente: obtive minha cópia de chave e aprendi uma nova sabedoria.

O mais interessante e curioso para mim, foi que eu já tinha lido aquele versículo inúmeras vezes – já li a Bíblia três vezes! –, mas ele nunca tinha feito tanto sentido para mim, até então. De repente, eu percebi que envelhecer é uma raridade. De alguma forma, eu sinto que eu já deveria ter sabido disso àquela época, porém, eu não sabia!

Ao contrário de sinônimo de fraqueza e decrepitude, a velhice revela-nos algo muito especial: para além de experiências e sabedorias, envelhecer é cumprir os desígnios da natureza – seja lá o que isso queria dizer! Ao envelhecer, o indivíduo diz para si mesmo e para a natura, que conseguiu, que chegou lá – lá onde?

Diante de nossa realidade pandêmica, violência urbana perene contra jovens negros, crimes cometidos por embriaguez ao volante, sistema de saúde pública em frangalhos, escassez de emprego etc., envelhecer é uma raridade e, por isso, é digno de menção honrosa.

Todavia, voltemos à frase de efeito!

Afastar-se do mal e procurar o bem, buscar a paz e a perseguir, é, de fato, um conselho sábio e maravilhoso – lembra-me, aliás, do conselho salomânico acerca de bebida misturada; se eu tivesse escutado-o, não teria entrado em tantas embriaguezes necessárias, por misturar tragos de cachaça com tragos de cervejas!

É claro que é possível e necessário relativizar as noções de bem e de mal – aqui comigo, entendo que o bem e mal são apenas afetações que, ao reverberarem, geram dor ou prazer –, assim como se faz necessário compreender o que significa paz, que nada mais é que um termo contrário à guerra. Contudo, todo mundo – filósofos, poetas e transeuntes – entende o que a frase quer comunicar.

Desde aquela época, venho tentando seguir esse sálmico conselho . Por vezes, eu vacilo, porém, sempre o tenho em minha mente, como se um mantra fosse: te afasta do mal, te aproxima do bem…. procura tua paz e a persegue…

Não é que eu queira somente envelhecer, é que eu quero viver o máximo possível, enquanto ainda tenho tempo – princípio de todo ateu psicologicamente saudável! Aliás, importa dizer, querer viver até a velhice era algo fora de cogitação até pouco tempo. Apesar de não ser belo, sempre quis permanecer jovem – só os fortes entenderão a referência!

Mas não queria morrer jovem, porque tinha pensamentos suicidas. Eu apenas não valorizava o envelhecimento, como alguns romanos também não. Mas eu mudei de ideia. Hoje, eu quero morrer velho – talvez, as sabedorias originárias tenham surtido efeitos em mim!–, ainda que permaneça feio.