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Missa da Meia-noite

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Resenha sem spoilers

Os primeiros episódios de Missa da Meia-noite tem um ritmo que pode afastar alguns espectadores. Mas essa “demora para acontecer as coisas” tem sua importância e estratégia, pois, na mão de um bom diretor/roteirista serve como recurso narrativo essencial para o público criar vínculos afetivos com as personagens, detalhe que será importante para a imersão e a catarse nos episódios finais. E posso dizer que o criador Mike Flanagan é bem-sucedido nessa estratégia, embora tenha exagerado, a meu ver, em monólogos demasiadamente longos, como se ele tivesse tirado a personagem de cena e assumisse seu lugar para dizer o que ele próprio pensa sobre o tema discutido.

Missa da Meia-noite é a terceira minissérie que Mike Flanagan faz para a Netflix. Mesmo diretor do excelente A Maldição da Residência Hill, aqui ele vai por outro caminho e tema. O que mostra que ele não teve medo de arriscar ao evitar se acomodar na segurança de uma fórmula que tentou reproduzir na sua segunda minissérie, A Maldição da Mansão Bly (inspirada, principalmente, no livro A Volta do Parafuso de Henry James). Acompanhamos em primeiro lugar a tragédia do personagem Riley Flynn (Zach Gilford) que, com sua fé abalada após um acidente de carro e um período na prisão, retorna a ilha onde nasceu e onde ainda moram seus pais e irmão. Ele reencontra uma comunidade bastante religiosa que vive em torno de uma igreja católica cujo padre novo surge para substituir o antigo, trazendo consigo mistérios que sustentarão os episódios (nomeados cada um por livros bíblicos) até a trágica revelação. Quase todos na ilha são profundamente religiosos, para o bem ou para o mal, como mostrará as consequências que a fé deles os levará em momentos críticos. A dualidade e os dilemas das suas personalidades diante das suas crenças serão expostos, assim como a hipocrisia e preconceito de alguns. Missa da Meia-noite é, além de uma minissérie de terror, um drama de uma sociedade isolada numa ilha diante de temas como religião e brevidade da vida. Temas como a decrepitude e a morte são abortados aqui de forma bastante sensível e relevante. A natureza do terror da obra serve como alegoria bastante apropriada para esses temas.

Embora não seja oficialmente inspirada numa obra literária como as duas minisséries anteriores, os leitores de Stephen King podem identificar a clara influência de um livro do autor. Mas não citarei o nome do livro agora para não estragar a experiência daqueles que evitam spoiler a qualquer custo. Mas mesmo aqueles que não se importam tanto com spoiler, manter o segredo ajuda na construção para o clímax no penúltimo episódio — embora pistas da real natureza do elemento sobrenatural que assombra a ilha sejam dadas desde o primeiro episódio.

Acredito que Missa da Meia-noite ficará na história como uma das melhores obras de terror. Sensível, preocupada em dar peso dramático a cada personagem, a obra não erra a mão no momento de aterrorizar. A catarse claustrofóbica da tal “missa da meia-noite” do título é o clímax que compensa todo o tempo dedicado ao desenvolvimento das personagens e seus dramas nos episódios anteriores. E sua discussão sobre fé, morte e velhice (e mesmo sobre ter uma “segunda chance” na vida como é confessado por um dos personagens num tocante diálogo) somente enriquecem uma minissérie que não falha em mostrar o horror quando necessário, com o diferencial de sair do lugar comum dos sustos fáceis e dos clichês do gênero.

Eu percebi, ao concluir seus sete episódios, que Missa da Meia-noite parece ter, como mensagem incrustada nas entrelinhas do seu roteiro, a tentativa de querer mostrar a importância de lidar com os erros do passado. Alertando que atalhos que recusem o natural ciclo e inexorável caminho da vida apenas poderão trazer mais tragédia e sofrimento. No fim, é um terror que fala sobre aceitação e perdão. Perdão não somente em relação ao próximo, mas a si mesmo.