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Ipês amarelos IV: eis que surge Lyla

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— O que houve com o Tirus em casa, Sid?

— Que eu saiba, nada, Carlos. Disse eu. A gente tomou café, bateu um papo, ara em seguida ele sair correndo pra não atrasar no trabalho.

— Rapaz, pois ele chegou estranho. Calado entrou, calado saiu.

—  Deve ser só lombra de Tirus. Ambos rimos juntos, porém, eu sabia que o motivo da estranheza dizia respeito ao assunto que tivéramos mais cedo. À época, eu pensava que todos os problemas se resolviam com boas e más transas.

Tirius nunca foi de se expressar. Eu o conhecia bem. Para quem o conhece de perto, ele estava um turbilhão de sensações, feito a música da Paula Fernandes. Todavia, além de minha babaquice que me cegava, havia algumas camadas que impediam que se entendesse exatamente o que Tirus passava naquela época. Talvez nem ele mesmo soubesse!

Às vezes o Tirius gostava de sair por aí. Como Carlos chegou do trabalho e ele não, deduzi que aquela noite seria uma típica noite de descobertas. Adorávamos fazer isso.

Quando me preparava para dormir, Dona Marlu me liga:

— Oi, meu filho, tudo bem? Cadê Tiberius?

— Dona Marlu, tudo bem?  Tiberius ainda não chegou. Tudo bem?

— Sim, Sidom. Queria falar com ele. Você, que mora com ele, pode me dizer se ele está bem?

— Sim, Dona Marlu. Mas, houve alguma coisa?

— Meu filho, eu tô achando Tiberius estranho. Na verdade, o pai dele também. De uns dias pra cá, ele fala como se tivesse com um fastio na alma.

—  Eu não percebi nada não, Dona Marlu. Na real, ele até que tá comendo de boas. Igual um bicho. Ensaiei um gracejo.

— Oh, meu milho, deixe de besteira. Não teve graça — falou Dona Marlu incisivamente. Não esqueça, ela continuou, eu sou psicóloga e não sou tão velha assim. Eu sei que você me entendeu, então, não tente me dobrar. Eu já fui universitária como vocês.

— Me desculpe Dona Marlu — falei com seriedade e constrangimento.

— Deixe de besteira. Só me diga o que acha sobre Tiberius, como está sua saúde? Ele tem falado em coisas como liberdade, verdades e identidades. Acho tudo muito poético e muito espirituoso, mas não compreendo o que ele quer me dizer.

— Então, Dona Marlu, eu também não tenho compreendo muito bem o que Turus tem passado. A gente até conversou, mas eu só entendi que ele quer experimentar a liberdade do espírito. Sei lá, acho que é isso.

— Entendo… talvez você não queira me dizer. Eu entendo.

— Eu juro pra senhora que eu não sei. Só tenho esse achismo aí que falei. Eu estava desconfortável com aquela conversa. Sentia que estava traindo Tirus, sei lá. Jamais diria a Dona Marlu que para mim, o problema de meu amigo era falta de sexo.

— Está bem, querido. Desculpa por ligar a essa hora. Diga a Tiberius que mandei um beijo, mas não fale sobre o que conversamos, por favor. Ah, diga também que me ligue. Eu ainda estou viva. Eu comprei esse telefone pra vocês por algum motivo. Deus te abençoe, Sidom.

— Está bem. Digo sim. Até mais, DonaMarlu. Beijos e lembranças ao seu João.

Eu quis dormi de imediato, mas fiquei pensativo. Pensei que realmente Tirus não deveria estar bem. Talvez eu não estivesse conseguindo entende-lo ainda. Talvez fosse falta de sexo e outra coisa que afetavam meu amigo. Desejei que aquela noite fosse diferente para ele.

Aquela época era pura psicodelia. Os anos de 1970 afetaram a todos. Tudo era muito novo. Novas roupas, drogas, doenças físicas e psíquicas, novas curas, nova ideias. Descobertas sobre condições humanas de gêneros fora do padrão forçadamente estabelecido. Lembro-me de que passamos a ouvir a falar mais sobre homossexualidade. Apesar de ainda ser um tabu no Brasil, as pessoas de nosso ciclo social já conseguiam discutir o assunto.

Eu não falei, mas nós tínhamos boas condições. Éramos um puro charme da burguesia de Buñuel. Dividíamos o apartamento porque nos gostávamos. Eu e Tirus somos de São José dos Campos. Nós viemos estudar na USP para os mesmos cursos. Iríamos ser advogados. Como éramos inseparáveis quando crianças, achamos justo continuarmos juntos na faculdade. Carlos cursava economia na mesma universidade. Ele morava em Jacareí, porém, sempre nos encontrávamos nos bailes da vida. Tínhamos amizades desde nossa adolescência.

A quarta integrante, a Lyla, também era da USP e cursava Agronomia. Nenhum de nós a conhecia muito bem.  Na verdade, nos encontrávamos de quando em vez nos eventos uspianos, e nada mais. Apesar de cada um de nós três ter condições de se manter na cidade separadamente, pois nossos pais nos ajudávamos, decidimos que iríamos aproveitar nossa juventude como dignos universitários.

Resolvemos chamar mais uma pessoa para dividir o apartamento. Queríamos que nossa casa fosse uma espécie de república menor. Colocamos o anúncio pelo campus. Rapidamente apareceram algumas pessoas dispostas. No final, simpatizamos mais com a Lyla. Com a intimidade, descobrimos que ela nos achou uns babacas otários e só se juntou a nós porque, diferentemente de nós, realmente precisava dividir o aluguel.

Sem ela, Tirius demoraria um pouco mais em seu desbravamento pessoal. Quando for oportuno, falo do assunto com mais propriedade.

Dona Marlu não sabia ainda, mas Tirius trancou o curso e resolveu ir trabalhar. Aliás, ele tomou essa decisão a um ano atrás, quando começou a fazer novas descobertas acerca de si. Aquele tempo era estilo música de Milton, sempre buscávamos pela geografia de nossos corações. Cada um a seu modo!