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Assim como a estimada Ana Paula Campos me cedeu espaço em sua coluna para minha primeira publicação, eu cedo espaço para a caríssima Alana Tamires Fernandes de Souza fazer sua iniciação. Ela é formada em Agroecologia, Biologia e mestre em educação. Hoje nos brinda com esse texto que versa sobre um tema muito importante, porém, ignorado pela maioria dos articulistas locais, a saber, os pesos e contrapesos das energias eólicas no Estado do Rio Grande do Norte. Segue o texto abaixo. Boa leitura @ todos!
“É muita energia no mundo e essa energia não baixa”
Ouvi essa frase de um senhor, que deve ter seus 80 e tantos anos, numa viagem pela BR 304 que corta o estado do Rio Grande do Norte.
Para quem tem costume de passar pelo trecho que liga Natal à Mossoró, agora se depara com a presença das torres eólicas, que em poucos anos modificaram a paisagem das áreas que ladeiam a estrada. No meio do sertão, agora vemos enfileiradas as torres que não cansam de girar. E não é só no sertão, tem torre girando no estado todo. Os ventos potiguares, as canetadas e acordos políticos estão arreganhando as portas para a chegada das empresas nacionais e internacionais que tornaram o Rio Grande do Norte o estado brasileiro que mais produz energia a partir dessa fonte considerada limpa. Liderando esse ranking, deixamos em segundo lugar o estado da Bahia, que tem um território 10 vezes maior que o nosso.
Uma amiga minha, nascida em Lajes, conta-me que a chegada das empresas na pequena cidade do interior do estado foi um alarde. A promessa de desenvolvimento e faturamento é o carro chefe na boca daqueles que representam esse empreendimento do futuro. Ao chegarem, centenas de pessoas que ninguém nunca viu por alí, se instalam e se alastram pelas cidades ocupando mercearias, farmácias e pousadas, exibindo aquela cara de ‘’não sou daqui e não vim pra ficar”. Se você é do interior, vai saber que cara é essa. Se você viu o filme Bacurau, vai conseguir enxergar claramente.
Se você não sabe, essas empresas podem se instalar nas terras potiguares de duas formas: por concessão de terras pelo estado ou por locação/arrendamento de terras privadas. O pai dessa minha amiga ficou animado com a chegada das eólicas em Lajes. Parte do terreno do seu sítio vai fazer parte de um dos parques que serão instalados e seu “quintal” receberá 4 torres. Por ora, ele recebe cerca de R$ 200, 00 reais por mês para ceder seu terreno para as análises que antecedem o período de instalação, mas quando estiverem funcionando esse valor vai aumentar – não consegui descobrir pra quanto. Soube também que o contrato que ele assinou dura 30 anos e pode ser renovado por mais 30 anos… é tempo que não acaba mais!
Mas vamos lá… as pessoas que moram nessas cidades podem ganhar dinheiro como o pai da minha amiga tem feito e podem alugar suas casas para receber essas pessoas, podem conseguir empregos durante o período de instalação; a maioria deles como peões, ou mesmo através da venda de produtos pela cidade. Parece algo bom, né?
As eólicas no RN não param nas margens da BR 304 e hoje podem ser encontradas em praticamente todas as regiões do estado. Se você decidir passear na região de João Câmara, vai ver as fileiras de torres chegarem até o litoral. Segundo o Boletim Trimestral da Fonte Eólica do RN de Maio de 2021, emitido pela Secretaria do Desenvolvimento Econômico do estado, em João Câmara já estão instalados 29 parques eólicos. E esse município ainda ocupa a segunda posição, ficando atrás de Serra do Mel, que já conta com 36 parques instalados.
A promessa é que Lajes lidere esse Ranking em pouco tempo, recebendo as empresas que se espalham por nosso estado. E elas estão vindo de todo lugar, viu? A CPFL Renováveis, empresa brasileira, lidera a produção de energia atualmente, sendo responsável por 807.6 megawatts produzidos no estado. Depois dela vem a Copel, empresa paranaense, a Voltalia, empresa francesa e a Echoenergia, que já possui sede na capital potiguar, o grupo paulista Serveng e outras 18 empresas.
“É muita energia no mundo e a energia continua cara”, essa frase me fez pensar na virada do ano de 2020 para 2021, que passei com minha família numa praia chamada Enxu Queimado. Essa praia se insere na região de João Câmara e assim como várias cidades vizinhas, já está tomada pela presença das torres gigantes que não cansam de girar.
Muitas pessoas dessa comunidade deixaram suas vidas e seus antigos trabalhos para tentar melhorar de vida com as oportunidades que surgem com a chegada dessas empresas. Pescadores deixam as jangadas de lado e tornam-se peões, pedreiros e marceneiros. Assim como está acontecendo em Lajes, a praia que faz parte do município de Pedra Grande sonhou com o desenvolvimento prometido pela chegada das empresas.
Mas uma coisa estranha aconteceu naquela noite de virada do ano. Pouco antes da meia-noite faltou energia na cidade. Ficamos sem eletricidade até umas 3 horas da madrugada. Tudo apagado… Um breu. Mas as torres das eólicas continuavam girando e piscando. Um pisca-pisca vermelho que nos faz pensar nas noites de Natal.
Não conseguia parar de pensar que aquela comunidade não teve seu direito básico de acesso à energia garantido numa noite tão especial. Mesmo depois de abrir suas portas para o desenvolvimento e para a chegada da energia limpa do futuro, ela tem de lidar com as restrições territoriais impostas pelas empresas, com a poeira levantada pelos caminhões, que não param de passar, e com o ruído sonoro emitido pelo movimento das hélices diariamente. Depois fiquei sabendo que isso acontece vez ou outra.
Na minha cabeça, as pessoas que moram perto desses dragões, como bem veria Dom Quixote, não deveriam pagar conta de luz ou, no mínimo, deveriam ter um desconto considerável no final do mês. Mas, pelo contrário, elas pagam suas contas, como todo brasileiro, tendo que encarar uma bandeira vermelha, que surge sem a gente entender direito o porquê, e ainda podem ficar sem energia em alguns dias.
Mas afinal, pra onde está indo toda essa energia? Que casas serão iluminadas com essa luz arrancada do sertão ao litoral potiguar? Para onde está indo todo o dinheiro arrecadado por essas empresas? Sem dúvida, não ficou nada em Enxu Queimado, que continua sendo uma comunidade ribeirinha muito pobre. E eu nem vou entrar na questão ambiental por trás dessa discussão, não agora.