Search
Close this search box.

ESPELHOS

Compartilhar conteúdo:

Acordou às 8h da manhã, mas não quis se levantar. A cama estava tão gostosa, o ar estava tão condicionado. A luz do Sol, que servia por despertador, mais corificava que incomodava

Somente às 9h decidiu abrir os olhos. A temperatura agradável do apartamento, os lenções, a colcha, a fronha e os travesseiros davam uma verdadeira sensação de paz. Não se tratava de preguiça, mas sim de experimentar o paraíso. Ali não cabia perturbação.

A primeira coisa que viu foi a si mesmo. Levantou-se calmamente e foi ao banheiro. Dessa vez, fitou seus olhos si em busca de se reconhecer.

Após o banho matinal, tomou o seu café da manhã e decidiu passear pelo bairro. Nem rico, nem pobre, apenas um bom vivente que trabalhava somente o suficiente para manter alguns prazeres da carne.

Lúvio trabalhava pela noite. Sempre tinha tempo para fazer as coisas de que gostava. Conversar com seus vizinhos era um de seus prazeres. Não conhecia muitas pessoas, é verdade. porém, essa falta de conhecidos não se refletia em falta de amigos. A dinâmica do Centro era frenética. Nunca dava tempo de fazer uma amizade que ultrapasse dois ou três meses, se somassem os intervalos de um encontro e outro.

Como se fosse um compromisso, sempre dava uma volta no bairro pela manhã, voltava para o seu apartamento e fumava sua maconha. Sua vista era simplesmente linda. Lúcio amava espelhos. Oficialmente, tinha pelo menos 15 espelhos em casa, se se levar em consideração apenas os fixados na parede.

A única coisa que amava mais que olhar para si, era praticar o onanismo olhando para si. Seu corpo era seu tempo, seu corpo era sagrado. Ele costumava dizer que o sentido da automasturbação refletida está na admiração por si. Entendia que quem não consegue homenagear a si mesmo não sabe amar. Todavia, deve ser dito, até que ele amava o que não era espelho – às vezes.

Seus ganhos não lhe proporcionavam somente leveza no viver. Ele não sentia a gravidade da solidão. Erva, cama, comida e espelhos lhes bastavam. 

Os espelhos refletem distorções da realidade. Se se quer viver, é preciso atravessar o portal, caso contrário, seu semblante se perderá, nos lembra Cecília Meireles.