Acerca de mais ou menos um ano, ao conversar com um amigo, fiz a seguinte futurologia macabra: a Polícia Militar se rebelará por todo o país e a sua contenção caberá ao Exército.
À época soou uma tese estranha, sem sentido algum, hoje, porém, não parece ser tão sentido assim e direi o porquê.
Desde o motim no Ceará, em 2020, a PM vem demonstrando insubordinação aos governadores da ala esquerda ou mais à esquerda. Isso ocorreu na Bahía, já esse ano, após os policiais terem matado um colega de farda que ameaça as pessoas, no Farol da Barra. Mais recentemente, a PM vandalizou as manifestações contra Bolsonaro, no Recife, que tem, por sinal, um governador que não apoia Bolsonaro.
O que esses casos têm em comum, afora a insubordinação da PM aos governadores, seus superiores administrativos? Os policiais rebeldes recebem ordens somente do presidente e fazem o curso de Olavo de Carvalho. Não me deterei a falar desse guru intelectual do caos. Apenas direi que seu quilate de criminalidade o aproxima a Charles Manson.
No bom e simples português, a PM está matando com força, especialmente gente da favela, inclusive contra as determinações do STF. Digo, os PMs já não obedecem a mais ninguém, somente ao seu presidente.
Sem muitas dúvidas, Bolsonaro tentará dar mais um Golpe de Estado no ano que vem. O Golpe será simples: ele dirá que não sairá da Presidência e pronto. Após essa postura, se ficar, deu golpe, se for retirado, tentou dar golpe. Ele terá o apoio da PM, que conta hoje com um contingente maior do que o do Exército, a quem está subordinada. Enquanto a primeira conta com um efetivo de mais ou menos 500 mil pessoas, a segunda conta com um efetivo de cerca de 380 mil.
Por ser a Força Superior e ter mais armamentos pesados, o Exército jamais aceitará passar pela humilhação de ter uma PM insubordinada aos seus comandos. Mas, o Exército tanto fez, que conseguiu algo impensável: o alto escalão da Força quebrou a hierarquia e a disciplina.
Ao aparecer em evento político de Bolsonaro, que já começou a fazer campanha política ilegal pelo país – e quase ninguém se importa, nem ao menos finge se importar – Pazuello, general da ativa, quebrou a disciplina militar e desrespeitou seus superiores. As normas internas proíbem terminantemente qualquer militar, de soltado a general, se manifestar politicamente, quer seja através de suas redes sociais pessoais, quer seja subindo em palanque político ou ainda tirando foto com x político, porém, Pazu é especial.
O Exército perdeu duas vezes: além de ter de atenuar a humilhação que Pazuello lhe expôs – haja vista que o mal menor seria a não punição, já que o presidente estava disposto a reverter sua punição, ensejando perda de poder da instituição –, teve de lidar com a reação imediata da insubordinação dos escalões inferiores.
Antes do caso Pazuello, a instituição só se ocupava em punir um caso aqui e ali. Agora, terá de lidar com as constantes indisciplinas. Outro dia tiveram de punir um policial militar que, pasmemos, por ser declaradamente bolsonarista, criticava partidos de esquerda, STF e tinha foto com Bolsonaro.
O Exército começou a cortar na carne. Porém, a indisciplina não se limita ao Exército, nem começou com Pazuello. Outro dia, um almirante da Marinha, o correspondente a um general, curtiu um post da deputada bolsonarista Bia Kics, que tinha uma foto dela com o militar, que é seu apoiador – em terra cibernética, uma curtida em alguma postagem é declaração de amor.
Penso que Mourão deve está mordido de raiva. Quando ousou a falar mal da Dilma e a sugerir um golpe, foi imediatamente exonerado do cargo. É, parece que o tratamento despendido ao vice-presidente foi diferenciado do de Pazu, não é mesmo! Com certeza, ele foi pego de surpresa.
A farra de indisciplina do Alto Escalão, dos Oficiais Generais, não começou hoje. Heleno e Villas Bôas fizeram escola quando vierem à mídia jornalística, ainda em 2018, opinar sobre a política nacional e ameaçar a nação, por ocasião do julgamento de Lula: sob pressão, o STF, como sempre, se acovardou e decidiu pela prisão do único candidato capaz de derrotar Bolsonaro – o candidato… (advinha de quem?) do Exército Brasileiro.
Como uma força que lhe foge o controle e é preciso voltar a dominá-la, pela gana de poder, saboreada lá em 1888, o Exército perdeu o controle moral da Polícia Militar. Só institucionalmente a primeira comanda a segunda. Pois, na prática, a PM, em quase sua maioria simples, segue as ordens do Jair Messias Bolsonaro.
O cenário futurista macabro está montado. Só vejo uma realidade sanguinolenta. A fim de conter os amotinados e rebeldes, o Exército terá de arrancar a carne necrosada na PM. os policiais não se renderão facilmente, pois, todos sabem, eles zombam dos jovens soldados do Exército. Ninguém respeita os graduados da Força.
Por sua especialidade em combater sem colegas nas comunidades, a PM, através do BOPE e da ROTA, se sentirá, inclusive, a elite da resistência militar contra o Exército.
Parece que eu estou vendo o cabaré de desmantelo.
O Exército, astuto feito uma serpente já se deu conta de que cometeu muitos erros e o caso Pazuello foi só a última pá de cal – a derradeira, não. A instituição terá de fazer alguma coisa, a fim de mitigar o estrago. Para se sair bem na opinião pública e manter o resto de consideração que ainda goza em alguns setores da sociedade, dirá que não admitirá rebeldia e quebra de hierarquia; dirá que a farra acabou.
O interessante é que essa rebelião da PM não se dará em razão dos motins contra os governadores; essa rebeldia se dará exatamente porque Bolsonaro vai querer dar um Golpe de Estado em 2022, ainda que, como parece ser, o Exército não o apoie. Nesse momento ele precisará, como nunca antes, de seus cães.
O circo estará armado: Bolsonaro dirá que a eleição foi fraudada e não sairá por motivo algum, dirá que só sairá morto; o Congresso acionará o Exército, que terá de agir, se não seguir Bolsonaro. Será o instante que esse acionará seus cães, que imediatamente ouvirão seu apito.
Com seus fuzis e suas submetralhadoras, atacarão quarteis e farão a guarda de Bolsonaro. Pronto, a Guerra Civil foi instalada. Mas, não terá esse nome ainda, porque será, a bem da verdade, um problema deles, entre eles, que respinga em nós. No final, porque o Exército ganhará essa guerra, claro dirão que fizeram tudo para manter a Democracia, quando todos saberão que foi uma tentativa de estancar a sangria de um ferimento que eles mesmos causaram em si – a sede de poder sempre sua força motriz.
Eu sei, além de apocalíptico, eu sou ingênuo. O Exército já é o próprio golpe, desde 1889 e reafirmado em 2016. Nada indica que não manterão sua estopa, digo, Bolsonaro, no poder. Mas, um pouco de futurologia não faz mal a ninguém, ou faz?