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Microscópica história do Brazil: eles venceram, e o sinal está fechado pra nós

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O Estado brasileiro se inicia lá em 1822, com a Declaração de Independência feita por Pedro Dom I. Mas, se voltarmos mais um bocadinho, foi no ano de 1500 que se inicia a tragédia epidêmica de Pindorama. Esta terra, que tinha palmeiras onde cantavam sabiás e era símbolo de liberdade, se tornou, possivelmente, o maior cativeiro a céu aberto do mundo até hoje registrado.

Os portugueses que aqui aportaram, trouxeram consigo seu egoísmo desmedido e infetado por suas vidas marcadas pela cultura da exploração, dominação e destruição — sim, eram quase a imagem do próprio Satanás! —, assim como trouxeram suas doenças infectocontagiosas que serviram, aliás, como armas biológicas de extermínio em massa.

Primeiro, praticaram a troca de serviço de extração da árvore pau-brasil por objetos que interessavam aos povos originários, o vulgo escambo, disseram. Depois passaram a escravizar esses mesmos povos, dando origem ao adjetivo quase pátrio de “brasileiro”. Disse “quase” porque, convenhamos, o sufixo “eiro” remete à profissão, não à origem. Por isso, sem muito orgulho, pode-se dizer sim, que somos brasileiros — brasilianos, não.

Mas, voltando à nossa pequena narrativa da história do Brazsil, concomitantemente à escravidão indígena, passou-se também a escravizar os povos africanos. Esses foram sequestrados de sua terra para serem humilhados por aqui: quando conseguiam sobreviver à viagem de translado, eram estuprados, explorados no Brasil.

Essa lógica da escravidão perdura até 1888, considerando tanto a escravidão indígena e africana, quanto a dos crioulos: outra palavra para os escravizados brasileiros, fruto da relação entre brasileiros e africanos. Com a abolição oficial da escravatura, os pretos tiveram o mesmo destino que tivera os indígenas: foram largados às margens, a fim de não serem nem mesmo integrados à sociedade brasileira. Tal qual os indígenas, o objetivo era relegá-los ao esquecimento, de maneira a serem somente parte do “folclore” da “nação”.

Desde o período da Independência, o Brazil se reconhece como um país composto por gente branca, de origem portuguesa, e escravizados, de origem africana e indígena. Na prática, lá por meados do século XVII e metade do século XVIII já se percebe que há um mix étnico que incomoda os portugueses, digo, os brasileiros — que, na prática, resumem-se aos fazendeiros, bacharéis, padres, oficiais e Realeza.

A nação brasileira, como a conhecemos hoje, surge com o golpe republicano. Aliás, é bom dizer, de lá pra cá, há mais golpes que constituições — não é à toa que o país é um expert em golpes de Estado. àquela época a nação, que procura por progresso através da ordem, tem um contingente muito grande de pessoas pretas e pardas (crioulos e indígenas).

Qual foi o grande plano dos engenheiros sociais? Eugenizar o país. Trataram de trazer povos brancos (europeus) para colonizar parte do eixo sul-sudeste, ao passo que destinavam as sarjetas e cortiços para os antigos escravizados.

Não se engane o leitor, a “favela” era uma planta típica de uma região com morros, que foi habitada pelos pretos pobres brasileiros que foram expulsos, literalmente, das regiões centrais do Rio de Janeiro porque atrapalhavam, sem aspas, a paisagem da cidade — fiquemos somente com esse exemplo da gentrificação carioca, porém, por corolário, os outros processos de marginalização urbana se deram pelas mesmas motivações.

Esta é parte da microscópica história do país: os europeus escravizaram os habitantes da terra e os africanos para, em seguida, ao findar oficialmente a escravidão, expulsá-los dos centros a fim de marginalizá-los, para não haver integração social — para não fazerem parte da sociedade brasileira.

A miscigenação, que é literalmente fruto do estrupo, nunca foi aceita pelos cínicos dominadores. Ou a tinham como dispositivo para extirpar a população negra, ou a tinham como um câncer que deveria ser eliminado junto com as populações negra e indígena. Nenhuma política pública séria foi implementada para ajudar os escravizados, quer sejam pretos, quer sejam indígenas. Preferiam apostar nos italianos.

A Justiça, desde os tempos coloniais, tinha o objetivo de conter o crescimento das populações negra e indígena, e proteger o sistema econômico vigente – adivinhem qual?

Esterilização, extermínio, imputação de miséria, expulsão de terras e casas; esses e outros mecanismos foram aplicados para apagar as histórias e as memórias dos povos escravizados no Brazil. Das línguas indígenas e do uso da maconha à roda de samba, se proibiu, legalmente, tudo o que se referia à criação dos povos indígenas e negros aqui no Brazil.

A única coisa que o preto tinha direito aqui no país era ser preso. A prisão, que primeiramente era um Calabouço, era o único lugar, quando não nas senzalas e cozinhas, que os negros poderiam e deveriam habitar.

Para encurtar a história, após o fim da Ditadura, mais uma Constituição foi inventada, a que vigora até hoje. Nela, os pretos e indígenas são contemplados, porém, somente na letra morta da lei, que só mantém viva a sede de extermínio dos povos pretos e indígenas.

A história oficial do Brazil só é mal contada e esculhambada, para não dizer falseada, porque os que estão no poder venceram, claro. Contam a história a partir de figuras economicamente ricas e politicamente poderosas. Nós não tivemos o direito de contar a história a partir de nossos pontos de vista.

O sinal, parafraseando o poeta, está fechadíssimo pra nós, que somos pretos, pardos e indígenas.

Se fôssemos contar a história a partir de nós, nosso povo saberia da importância dos indígenas e do quanto somos devedores de suas tradições, medicina, hábito alimentício e até higiene pessoal. Se contássemos a história sob o prisma os povos negros que foram trazidos sob sequestro para essa terra, saberíamos da importância dos quilombos, assim como saberíamos que o Candomblé, o samba, a capoeira, além de fazerem parte do que somos, verdadeiramente tecem as histórias desse país.