— … Tá caro. Veja, uma barra de sabão custa R$ 1 real. Se eu comprar por R$ 1, 30 real, três barras fica R$ 3, 80.
— Caro, né?
— Pela hora da morte, minha fia.
Como eu tenho um ouvido [de] fofoqueiro, que eu finjo ser um “ouvido esperto” – para me manter sempre alerta: é o que eu digo pra os outros e gosto de pensar assim –, ao ler e escrever no meu quarto, ouvi atentamente as vizinhas conversarem sobre cesta básica.
Aliás, falaram sobre muitas coisas, mas fiquei somente com essa parte, que é a que me interessa compartilhar com vocês. Isso porque, ao ouvi-las dialogando, imediatamente me lembrei do poema ANALFABETO POLÍTICO, de um tal de Brecht. Antes que eu adiante a prosa, é importante que eu diga: por favor, quem não leu, leia esse poema; mantive contato com essa joia aos meus 16 anos, mas até hoje, aos 33, o revisito.
No referido poema, Brecht fala sobre os indivíduos que são completos idiotas, na terminologia grega antiga (“ele [o analfabeto político] não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos”), que dizem odiar a política e ignoram que de sua ignorância política surge toda sorte de “desviados” que eles costumam criticar e repudiar. Brecht diz ainda, aqui é a parte que nos toca, que os analfabetos políticos não sabem que o custo da vida, o preço da carne e do aluguel, por exemplo, dependem das decisões políticas.
Sabe, gosto de pensar que, ao me basear pelo que está escrito no poema, os únicos analfabetos políticos que conhecemos hoje são as crianças, por mera limitação cognoscitiva. Digo, talvez minhas vizinhas não saibam exatamente como se dá a relação entre o aumento no preço do sabão com a eleição de Bolsonaro, mas, sabem que o gás de cozinha está caro e veem no noticiário que o preço do petróleo nas refinarias aumenta toda semana, assim como o preço da gasolina.
Como os jornais são bondosos, explicam que o presidente promete não interferir na política de preço da Petrobras. Por intuição, não por informação, as pessoas entendem que o presidente escolheu não interferir em política de preço alguma, ainda que a Petrobrás seja uma empresa de economia mista – cuja inciativa privada divide os lucros com o Estado –, levando à verdadeira anomia econômica: em alguns Estados o feijão e o arroz estão caríssimos, mesmo em tempo pandêmico, cujas necessidades básicas humanas, como a de alimentação, não têm sido supridas.
Quase por “intuição” – que é o mesmo que dizer: apreensão panorâmica do todo, apesar de ele ser apresentado em partes fragmentadas –, os brasileiros entendem, ao menos hoje em dia, que as escolhas políticas têm relação direta com a alta dos preços. Por isso, eu considero-nos semianalfabetos políticos.
Gosto de pensar que o analfabeto político funcional, ou semianalfabeto político – que dá no mesmo –, só não sabe mesmo que tudo aquilo que ele diz e se permite odiar socialmente (puta, corruptos, etc.), é fruto de sua apatia ou interferência distorcida no jogo político. Falei “distorcida”, mas quis dizer “manipulada”. Esse perfil de brasileiro tem a consciência de que as ações políticas refletem no cotidiano particular. Sei lá, parece que só conseguem fazer meias conexões, comprometendo a “intuição” a que me referi.
Digo, percebem que o preço do arroz é reflexo de uma política econômica adotada pelo Governo – com isso, quero me referir ao Paulo Guedes, ministro da economia –, porém, não conseguem perceber que o preço do aluguel aumentou em razão dessa política, bem como o preço dos remédios.
Porém, parte de mim procura entender como um povo que passa a ter acesso a muitas informações ignora – não os atos políticos – os efeitos de suas escolhas políticas. Procuro fazer uma ponderação desapaixonada, dessa forma, não apelarei para o xingamento rotulativo, tomando os brasileiros como “idiotas ignorantes por essência”.
Me parece que podemos mais ou menos graduar os seres políticos em pelo menos três grupos: os alfabetizados em termo de compreensão da realidade política, esses são os que compreendem tudo; os semianalfabetos políticos funcionais, que são aqueles que entendem umas coisas e outras não, e os analfabetos políticos, que são as crianças.
Falei três, mas, são quatro graus. Ainda têm os políticos profissionais, que, além de entenderem tudo, arquitetam esse “tudo”; a esses, eu gosto de chamar de “os letrados em política” – letrados até demais pra o meu gosto, aliás!