Antes de mais nada e acima de tudo, eu digo: se casem. Sim, afora a parte romântica, temperada pelos filmes hollywoodianos, o casamento é uma questão de saúde, digo, de economia. Antigamente se via mais o tal do dote em casamentos. Em algumas culturas essa prática ainda existe.
Às vezes quem recebia o dote era a noiva, em outros casos, era o noivo quem era adotado – brincadeira, gente, “dote” e “adoção” são palavras etimologicamente distintas, mas, a distorção que eu fiz faz sentido, né? Aqui não estou desconsiderando, de modo algum, o aspecto patriarcal e machista dessa noção de casamento baseada no comércio de mulheres; algo que deve ser repudiado o tempo todo.
Algumas vezes me peguei pensando em me casar. Sim, casar-me. Finalmente, casar-me. Sei que não se deve tratar o casamento como um comércio, porém, sua relação como um negócio nunca será superada, porque é sua essência.
Casamos, hoje em dia, porque queremos crescer na vida, aumentar nossos bens (móveis e imóveis), criar reservas e também por amor – devo acrescentar “por último por amor”? Lamento dizer, mas, ao que tudo indica, de acordo com fontes de minha cabeça, o amor nunca foi e nunca será o motivo crucial pr’as pessoas se casarem, talvez a paixão sim, especialmente quando se confunde casamento com sexo em fluxo contínuo. Quem casa, quer casa – daí a relação etimilógica, agora verdadeira, entre “casa”, “casar” e estar “casado” (particípio do verbo casar).
Sabe, tenho pra mim que, na verdade, a gente só quer morar só: experiência comum à vida adulta, pelo menos hoje em dia. Entretanto, a maioria das pessoas não consegue essa proeza de manter uma casa – geralmente alugada –, pagar as contas (água, luz, internet, etc.), abastecer a despensa e ainda tomar uma cervejinha no fim de semana.
Eu não quero falar de casamento, quero falar de morar só. A angústia da vida de quem mora só e é pobre é quase engraçada, se no geral não fosse uma tragédia.
Hoje foi um dia tragicômico. Peguei um pouco de dinheiro que tinha e fui ao mercado comprar comida. Estava alegre. Sentia-me um verdadeiro adulto. Estava indo comprar alimentos, pensando no feijão que faria pra passar pelo menos doze dias livres de fazer almoço. Sim, sou desses que entende que o feijão deve se parecer com uma feijoada, dispensando outro tipo de mistura, sendo necessário apenas um arroz branco.
Comprei tudo que era preciso pra fazer uma boa feijoada, digo, um bom feijão. Pus a panela de pressão no fogo e passei a cortar o alho e a cebola pra temperar as carnes. Nesse momento tive uma ideia que me é comum quando desato a cozinhar: “vou comprar ali duas cervejas e dois cigarros”.
Saltitante, fiz meu longo caminho de minha casa até ao mercadinho da esquina. Ao chegar em casa, ouvi um chiadeiro danado. Pensei que a panela já tivesse pego pressão – eu tinha um fogão industrial muito potente. Na verdade, o chiadeiro, pude logo conferir, era do gás que vazava da mangueira, que tinha se soltado do fogão: devido à pressão, o fluxo de gás pra o fogão foi interrompido.
Rapidamente desliguei o registro do bujão. Fiquei ali pensando no que tinha havido. Pus a mangueira de novo no fogão. Ouvi um estouro, semelhante a uma pequena explosão, que me assustou de maneira tal que derrubei a cerveja que tivera comprado. Mas sou teimoso, e, claro, não deu certo: outro estouro. Por fim, aceitei que estava sem fogão e com a produção da comida interrompida. Pronto, estragou meu dia.
Fiquei sem fogão e com comida por fazer. Mas, fiquei grato porque não houve nada grave. Na hora do pipoco, eu não estava em casa e não tinha entrado com o cigarro aceso, hábito que eu tenho, aliás. Estava tudo bem.
Saí pra fumar meu cigarro e pensar em como resolver o problema. Fui ligar pra um técnico e foi nesse momento que me dei conta de que estava sem crédito no celular: — “mas como”, pensei eu, “se eu pus quinze reais e não usei um centavo sequer?”. Lá vai eu ligar pra operadora a fim de tentar entender o que houve. Perdi uma hora brigando com a atendente eletrônica, que não entendia que eu precisava conversar com um ser humano.
Com muita luta, consegui falar com uma pessoa e pelo menos puder gozar da dignidade de saber as razões pelas quais eu estava sem crédito: havia um diabo de um plano, que eu herdei, que consumia meus créditos, eu usando-os, ou não.
A essa altura eu já tinha comprado mais quatro cervejas e mais uns sete cigarros. Fui pra casa. Fiquei fumando meu cigarro, tomando minha cerveja e pensando na vida. Pensei que já era hora de me casar. Pensei que eu tinha de compartilhar angústia com alguém, digo, compartilhar amor e companheirismo.
Olhei pra meu salão e só reforcei minha ideia. Preciso dizer que minha casa é tão vazia, mas tão vazia, que até eu, às vezes, a confundo com um salão de apresentações ou mesmo com compartimentos de um museu; sem exageros nenhum, juro.
Vi que eu precisava ter bens básicos quanto antes. Precisava de um sofá, um fogão, uma geladeira, uma cama, um lampião, um centro, um tapete, um armário, uns utensílios domésticos e sei lá mais o quê.
Já na sétima cerveja, decretei: “me casarei quanto antes”. Sim, porque se há algo que o povo de Peixes é, é dramático e impulsivo. Meu leitor, não me entenda mal. Não é que eu não tenha amor. Eu amo. Mas com o tempo, tornei-me um homem pragmático. Um dengo é muito bom, um sofá também.
Acordei-me às quatro horas da matina. Tudo não passou de um sonho, ou de um pesadelo. Não o deslize da mangueira, sim, querer me casar.
Meu antigo fogão passa bem: no quinto dos infernos.