Alipio De Sousa Filho – Diretor do Instituto Humanitas – UFRN
Com 84 anos, a antropóloga e professora Elisabeth Nasser faleceu. Nos anos 1980, na UFRN, ela foi professora de uma geração de estudantes do curso de graduação em ciências sociais, da qual fiz parte, que teve o privilégio de com ela conviver, ter aulas, ouvir suas palestras, participar de pesquisas, receber orientações em trabalhos acadêmicos. Com o seu marido, o professor Nássaro Nasser, recém-chegados dos Estados Unidos, onde realizaram seus estudos de doutorado, os dois presenteavam seus alunos com aulas estimulantes e com a qualidade desejada por jovens que, à época, sentiam-se profundamente motivados para a vida intelectual. Didática séria, sem improvisos, rigor na abordagem dos assuntos, atualidade dos temas e responsabilidade científica eram coisas fáceis de observar no modo de agir dos dois professores que iniciavam a todos nós na antropologia cultural. Com brilho nos olhos, fala empolgada e com seus jalecos brancos, como se ainda estivessem nas universidades americanas, que deixaram de usar logo depois, os dois nos conduziam ao desejo e à fantasia dos estudos nas universidades no exterior.
Rapidamente, para todos nós estudantes à época, ficou claro que a professora e antropóloga Elisabeth Nasser tinha na ciência um forte amparo para o empreendimento do debate político-público das ideias e para a participação social e lutas políticas. As obras que apresentava em sala de aula sobre uma teoria da cultura, gênero, mulheres ou movimento de mulheres eram não apenas o ensinamento da pesquisa sobre os temas mas igualmente a reflexão sobre o problema da desigualdade entre os gêneros e das violências que essa desigualdade acarreta, e que ela almejava ver abolidas. Em torno dos assuntos de suas disciplinas, a professora Elisabeth inicia um trabalho de discussão sobre direitos, igualdade, gênero e sexualidade. O que, com mais outros professores do período, levou aos estudos e debates sobre os temas da homossexualidade, direitos gays etc. Para além da universidade, todo o correr dos anos 1980, em Natal, foi de atuação e participação de Elisabeth Nasser no movimento de mulheres, ajudando a criar grupos, coletivos, chegando a assumir cargos governamentais.
Essa história de produção de conhecimento, ensino, participação social e luta política esteve sempre fundada na compreensão do papel do professor universitário como intelectual público, que Elisabeth Nasser soube exercer com destemor. Como pesquisadora e professora, não se escondeu na “cátedra”, pois não acreditava que pudesse um/a professor/a dar aulas sobre violências advindas da desigualdade de direitos sem não se envolver, simultaneamente, na busca por transformações sociais que conduzam ao seu fim. Merecido reconhecimento, Elisabeth Nasser torna-se, na história do Rio Grande do Norte e do país, uma referência na construção de conquistas importantes de direitos e na produção de mensagens públicas sobre a exigência civilizatória de igualdades, liberdades, emancipação dos indivíduos, fim de desigualdades, opressões.
Um dos últimos gestos da professora e antropóloga Elisabeth Nasser de valorização da ciência, que sempre foi o cajado de sua luta, foi a doação de sua rica biblioteca pessoal ao Instituto Humanitas da UFRN, que, aqui, faço agora o agradecimento público à família e ao professor Nássaro, repetindo as palavras ditas por ocasião do último encontro que tivemos: “a biblioteca estará na universidade servindo a pesquisadores, estudantes, como você sempre quis”. A escritora Susan Sontag disse um dia “minha biblioteca é um arquivo de anseios”; certamente, a biblioteca pessoal de cada um de nós também. Que os anseios (como aflições éticas justificadas ou como desejos intensos) da professora Elisabeth Nasser passem todos para a biblioteca (futura) do Instituto Humanitas da UFRN!