Search
Close this search box.

Thadeu Brandão: Memórias de um ser da tempestade

Compartilhar conteúdo:

Todos os grandes mestres que se destacam no esforço humano, diz Hamann, foram doentes de uma forma ou de outra, tinham feridas; Hérculos, Ájax, Sócrates, São Paulo, Sólon, os profetas hebreus, as bacantes, as figuras demoníacas – nenhum deles foi uma pessoa de bom-senso. Isso, penso eu, está no centro de toda essa doutrina violenta da autoafirmação pessoal, que é o cerne do Sturm und Drang alemão” (Isaiah Berlin).

A memória dos tempos de seminarista parecia aquecer o espírito eloquente e apaixonado de Thadeu contra a frivolidade e superficialidade da vida intelectual. Sua crítica, quase sempre um apelo emocional e moral, era também denúncia e indignação contra todos os odores da passividade diante das injustiças e da mediocridade. Como poucos de nós, Thadeu, desde cedo, soube se insurgir contra os que preferiam, por covardia ou por interesse, o tédio e a calmaria intramundana.

Thadeu amava as turbulências da alma. Romântico, desejava o heroísmo sacrificial do fracasso autodecretado ao vulgar sentimento de tolerância e conformismo resignado e hipócrita dos que sentem a perda, mas simulam a felicidade.

Incendiário, Thadeu mesmo se dizendo um judeu convertido, cultuava o martírio cristão pela verdade. Leitor e admirador das ideias de Max Weber, Thadeu se autorrealizava no reconhecimento público (e merecido) como sociólogo vocacionado. Foi, certamente, um renascentista da sociologia potiguar. Um dos primeiros de uma recente leva de sociólogos locais a empunhar a bandeira da sociologia como um saber especializado, investigativo, científico e eticamente comprometido com a verdade, com o fomento do debate público e com a racionalização das posições políticas e morais sobre a vida social. Não teve medo de defender dita bandeira nem contra outros cientistas sociais mais bem posicionados. Porque, como tudo que abraçou como importante em sua vida, Thadeu fez de seu ofício mundano como professor e sociólogo compromisso e fonte de sentido existencial e de autorrealização do ser.

E foi como sociólogo vocacionado que Thadeu explorou a atmosfera pútrida da nova violência cotidiana local. Logo tornou-se a referência primeira e mais destacada de sociólogo potiguar dedicado aos temas da violência e da criminalidade. Enfrentou temas sociológicos e socialmente áridos, como as redes e as sociabilidades no sistema prisional e o homicídio rotineiro de jovens pobres e negros nas cidades.

Em nosso deserto de intelectuais públicos e de viveiras de bajuladores provincianos, em pouco tempo, Thadeu materializou o especialista com espírito e o sensualista com coração. Não se importou de, muitas vezes e por alguns anos, caminhar como um cavaleiro solitário nas plagas da sociologia local. Criou, elevou e qualificou o debate público sobre violência e criminalidade no Rio Grande do Norte. Tornou-se conhecido no Brasil e mesmo fora de nosso país. Sem flertar com o emocionalismo barato ou medo, Thadeu expressava ira e coragem quando falava de desigualdade, da violência e da criminalidade.

Com um fraco pela escrita e pela polêmica, Thadeu brindou os mais diversos veículos de comunicação do estado com sua prosa embasada e reflexões provocativas. Foi um dos primeiros colunistas a embarcar e navegar por esta nau, hoje quase fantasma, chamada Carta Potiguar, ainda no ano de 2012. Em seus textos, podemos encontrar muito de Thadeu e de seus variados interesses intelectuais: além das já citadas questões da violência e criminalidade, coração da sua atividade de pesquisa, a religiosidade popular, o futebol, as lutas políticas das elites locais e os partidos políticos também lhe apeteciam como objetos de distração e divertimento sociológico.

Quando provocado, em falas excitadas, Thadeu discorria sobre o que dominava e fazia questão de dominar. Amava duelar. Desafiar consensos. Mas sem perder o humor, a leveza e a solidariedade. Amor paralelo, somente a devoção religiosa pelo afeto de seu filho. Nesses momentos de afeto paternal, aceitava águas calmas.

Em seus últimos dias terrenos, porém, Thadeu parecia tomado por um ceticismo sobre o sentido da vida; parecia enfim anunciar um ritual de sacrifício. Na sempre companhia de seu Noel Rosa, seu culto pessoal e boêmio, parecia decidido a saltar do barco em direção às águas profundas do reino de Hades. Decerto, odiava a ideia das moiras cortarem o fio de sua existência por acaso acidental. Decerto, preferiu ser wertheriano e o fez como “escolha”, como “decisão”, como “coragem”, com “aspiração quimérica por liberdade”. Na tormenta íntima, encontrou o ímpeto do salto existencial.

Que saibamos reter e honrar o que sua vida pública, como professor, intelectual e sociólogo, tão admiravelmente ensinou: a ideia e a memória de sua ambição, coragem e aspiração.

Nota biográfica: Thadeu Brandão cursou graduação em Ciências Sociais e Pós-Graduação (mestrado e doutorado) na UFRN e tornou-se professor efetivo da Universidade Federal do Semi-Árido. Na UFERSA, ministrou aulas em graduações e pós-graduações, assim como desenvolveu pesquisas em sociologia do crime e da violência. Também foi um dos fundadores do Observatório da Violência Intencional do RN (OBVIO).

__________________________

Foto: Marcelo Bento