Francisco Huachalla
O leitor deve ter assistido ou ouvido falar no interessante documentário “O Dilema das redes”, que apresenta muitas críticas detalhistas e convincentes sobre o controle e indução que as redes sociais têm sobre seus usuários. Resumo o filme em três ideias: 1) as redes estão interessadas em ganhar dinheiro, não em seguir princípios morais corretos; 2) a fim de ganhar dinheiro e influenciar o mundo, praticam estratégias que ameaçam nossa saúde mental e social; 3) as redes são invenções tecnológicas maravilhosas e têm um lado bom, mas devem ser reformadas o quanto antes.
Infelizmente, o filme, quem sabe de maneira intencional, não apresenta uma solução prática para nos salvar do lado mau das redes, de sua tirania. Sugestões gerais, abstratas, são dadas, porém elas exigem bastante esforço, estudo e organização política para se efetivarem. O filme pode até soar como um lamento pessimista, desse ponto de vista.
Afinal, qual é a solução? Há solução? É um debate gigantesco. As pessoas gostam das redes não só por que estão viciadas. Elas também têm motivos razoáveis para continuarem sendo cobaias das redes: amizade, aprendizagem, identificação, diversão, interação. Quantas pessoas conheceram seus futuros parceiros matrimoniais e reencontraram amigos de escola no facebook! Todos conhecemos pelo menos 2 ou 3 casos.
Uma vigorosa reforma das redes parece um ideal distante, até impraticável nas atuais condições globais. No entanto, seu prejudiciais controle e manipulação sobre as massas podem ser dificultados por um método muito simples. Um método que não foi publicamente ensinado por nenhum especialista em tecnologia, mas por um escritor brasileiro. O potiguar Wagner Uarpêik aborda a questão das redes sociais em seu livro “Libertália” [https://www.wagneruarpeik.com/antropologos-potiguares], cuja segunda edição foi lançada recentemente pela editora da qual faço parte. Os personagens, membros de um bando que luta contra o “tracebook”, conclamam os usuários a sabotarem “o mapeamento” das redes da seguinte forma:
“Jogue o peixe errado na rede. Entregue seu nome, endereço e corpo; nunca sua alma. Na dosagem que lhe convir, de vez em quando [ou de vez em muito?] curta postagens que você não curte, trabalhe onde você não trabalha, poste fotos antigas como se fossem atuais, opine profundamente sobre o que não sabe, concorde com o que discorda, diga o que não diria, seja amigo dos seus inimigos, vá aonde nunca foi… Ações lúdicas e simples como essas dificultam o constante trabalho de mapeamento geográfico, psicológico, social, político e intelectual perpetrado pelos gulosos robôs.
Jamais entregue certas impressões digitais espirituais a estranhos: quanto mais conhecidos, mais controláveis; quanto mais controláveis, mais vulneráveis. Não, não se entregue de bandeja, sapiens sapiens: esconda mostrando, eclipse iluminando, escape se entregando; cegue seus caçadores de claridade; erga muralhas invisíveis, transparentes; desapareça ao aparecer.”
Talvez você já tenha feito isso. Na verdade, as pessoas de certa forma mentem nas redes o tempo inteiro, por exemplo, quando curtem ou comentam uma postagem para serem notadas por quem postou, não por que gostaram mesmo ou tinham algo genuíno para dizer. Mas, perceba, a mentira ensinada em “Libertália” é de outra natureza: consciente, voluntária, altruísta. Imagine milhões de pessoas a enganar as redes com dados falsos ao mesmo tempo, todos os dias, por alguns meses? O que aconteceria com as redes? Uarpêik arriscou uma resposta: sem os dados verdadeiros das pessoas, as redes sociais entrariam em falência em um ano.
Será que milhões de pessoas embarcariam nesse audacioso movimento? Será que estamos prontos para viver sem as redes? As pessoas amam a privacidade e a liberdade a ponto de sacrificarem suas doses diárias de confissões nas redes sociais?