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Uma Cruzada Ideológica contra a Educação: notas sobre a intervenção no IFRN

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Contra as ideias da força, a força das ideias!

Florestan Fernandes (sociólogo brasileiro).

Por Flávio Ferreira – Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP e professor do IFRN.

I Os dias de intervenção

Desde que a segunda-feira do dia 20 de abril de 2020 amanheceu, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) tem vivenciado um clima de absoluta instabilidade. A data marcava o final do período de gestão do Professor Wyllys Tabosa como Reitor do IFRN e, dentro de um processo sucessório democrático, toda a comunidade interna aguardava pela nomeação do Professor José Arnóbio de Araújo Filho como Reitor, pois fora eleito legitimamente para exercer mandato no cargo de dirigente máximo da instituição[1].

No entanto, as expectativas de todos os segmentos partícipes das eleições gerais ocorridas a cada quatro anos (estudantes, professores e técnicos administrativos) foram frustradas quando perceberam que o IFRN estava recebendo do MEC, desde aquela fatídica manhã, a nomeação de um Reitor Pro-Tempore (temporário) para administrar os rumos da instituição.

A nomeação do Reitor Pro-Tempore ocorreu não obstante, a legislação vigente estabelecer que os Institutos Federais deverão ser dirigidos por reitores “a partir da indicação feita pela comunidade escolar”. A Gestão Democrática é um importante pilar preconizado pela educação pública brasileira e amparada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, batizada com o nome de seu combativo defensor – Lei Darcy Ribeiro (Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996). O subterfúgio utilizado para o ato praticado pelo MEC se encontra no fato de o Reitor eleito pela comunidade do IFRN estar arrolado em processo de sindicância investigativa que se encontra em andamento desde o mês de fevereiro. Deste modo, os membros da comunidade do IFRN assistiram a primeira violação de um direito previsto e garantido, quando o poder de escolha representado pelo sufrágio eleitoral dos membros da comunidade não foi respeitado.

A segunda violação que vem deixando a comunidade estarrecida foi ao Princípio da Continuidade, também conhecido como Princípio da Permanência, que consiste na proibição da interrupção total do desempenho de atividades do serviço público prestadas à população e seus usuários. Vivendo dias de distanciamento social devido a pandemia do coronavírus (COVID-19), as comunidades interna e externa reagiram contrariamente ao ato do MEC como lhe tem sido possível reagir.

Com efeito, destaco as manifestações contrárias a nomeação do Reitor Pro-tempore até o presente momento: Carta Aberta dos Servidores do IFRN (docentes e técnicos administrativos) subscrita por 1.554 assinaturas; 77 notas de repúdios emitida por coletivos profissionais, grupos disciplinares, conselho superior, gestores eleitos dos campi, todos os ex-reitores/gestores vivos da instituição, seções sindicais e entidades estudantis do IFRN[2].

A importância, o respeito e a admiração que a sociedade deposita no IFRN foram confirmadas com a produção de 134 cartas e notas da comunidade externa que também se posicionaram de modo contrário ao ato praticado pelo MEC. Documentos subscritos por diretórios e centros acadêmicos, associações nacionais e internacional de docentes, comitês, coletivos estudantis, departamentos de universidades, colegiados de pós-graduações, comissões parlamentares, mandatos, conselho nacional de Reitores da rede federal (CONIF), entre outros.

A situação julgada por alguns como controversa e por muitos como arbitrária também tomou repercussão nacional na grande mídia escrita e televisiva, assim como nos demais veículos de imprensa, como rádio e internet.

Uma questão se faz imperativa: quais são os reais motivos que amparam o MEC para empreender tal ato e realizar uma intervenção na instituição que é exemplo de referência na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica do país?

II Uma Cruzada Ideológica

O contexto turbulento que o IFRN atravessa, não sem resistir, se constitui como um ataque frontal e violento aos princípios da gestão democrática e principalmente a tradição centenária de serviços prestados a cidadania, cultura e desenvolvimento da sociedade norte-rio-grandense.

Desde que emergiu na esfera pública pregando o silenciamento e a perseguição de professores que o famigerado projeto Escola Sem Partido tem praticado uma verdadeira cruzada contra os pilares da Educação brasileira. A expressão ‘escola sem partido’ significa a busca por uma neutralidade como falseamento da realidade para assim alcançar seus objetivos ideológicos. Na verdade, representa a escola de um único partido, alicerçado nos avessos da vida democrática: o silêncio, a intimidação e o autoritarismo[3].

O professor Moacir Gadotti havia advertido: “estamos diante de uma iniciativa que visa a retirar da escola seu papel essencial de formar para a democracia, o que demonstra o caráter autoritário deste movimento”. Portanto, está colocado em relevo a autonomia da instituição escolar, bem como a construção de uma sociedade plural e democrática.

Carregando no currículo de gestor dois mandatos eletivos concluídos a frente do maior campus do IFRN – Campus Natal Central, o Professor José Arnóbio, Reitor eleito do IFRN, traz na bagagem história e experiência de instituição. Com uma atuação reconhecida pelo resultado das urnas no âmbito das eleições do IFRN, a sua nomeação e posse representa hoje o restabelecimento do sentido democrático e do respeito à legitimidade da vontade geral da comunidade do instituto federal. Sem levar em consideração tais elementos de maneira séria, estaremos fadados a sucumbirmos. Aceitando institucionalmente que a decisão da maioria seja descumprida, concederemos um bilhete de passagem para a cruzada ideológica empreendida contra a educação pública em todo país. Uma espécie de sinal verde para perseguições e ataques, travestidos de uma neutralidade inexistente.

Contra limites e excessos praticados por um poder republicano existe o remédio da lei aplicado pela justiça. Assim, cabe aqui breve parêntese explicativo sobre a situação jurídica atual da conjuntura. No dia primeiro de maio, a 4ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte proferiu decisão liminar que determinava o afastamento imediato do Reitor Pro-Tempore e determinava que a União nomeasse e empossasse o Reitor eleito do IFRN. A decisão foi cumprida e se concretizou na tarde do dia 05 de maio de 2020. Contudo, menos de duas horas após cumprida a sentença judicial, por meio de um recurso apresentado ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o ato foi desfeito e se encontra aguardando apreciação e decisão a ser proferida por colegiado de desembargadores. Portanto, na esfera judicial, a decisão final se encontra sob o olhar atento do Poder Judiciário.

Por fim, se faz importante destacar a necessidade para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte que o IFRN possa continuar cumprindo sua função social de maneira sólida, sendo reconhecido dentro e fora do estado por meio de resultados enquanto casa de educação na pesquisa, no ensino e na extensão, formando profissionais de excelência e educando pela e para a cidadania (Gadotti, 2016).

[1] Os institutos federais possuem estrutura multicampi e estão espalhados por todas as unidades da federação. No estado do Rio Grande do Norte o IFRN possui 22 campi.

[2] Todas as manifestações contrárias ao ato do MEC estão compiladas no documento a seguir organizadas seguindo a seguinte lógica: notas internas ao IFRN e notas externas ao IFRN.

[3] Coincidentemente, escrevi sobre esse tema em artigo publicado no ano de 2016 (ver artigo na carta potiguar).