Todas as mortes evitáveis nesse momento deveriam constar como sendo causadas, direta ou indiretamente, pelo COVID-19. Explico: o maior problema causado por essa doença, não são as vítimas fatais (ao contrário do que a maioria dos grandes empresários parece achar), mas sim o impacto causado dentro dos sistemas de saúde. E esse impacto não afeta apenas aqueles que venham a contrair essa doença, mas todo e qualquer pessoa que terá a necessidade de utilizar desse sistema. (Importante abrir um parênteses aqui, não são apenas os idosos que correm risco com essa doença, é importante lembrar que a vítima mais jovem no Brasil tinha 17 anos e não fazia parte de nenhum grupo de risco: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/04/15/adolescente-de-17-anos-e-a-mais-jovem-vitima-da-covid-19-no-rj.ghtml).
Mesmo com menos risco de morte, os mais jovens adoecem de forma grave e precisam ser internados. Em uma pesquisa feita nos EUA, publicadas no final de março, demonstraram que lá 36% dos internados em terapia intensiva tinha entre 45 e 66 anos, e 12% entre 20 e 44 anos (https://pfarma.com.br/noticia-setor-farmaceutico/saude/5332-jovem-coronavirus.html). Lembrando que como é uma doença nova, o número de infectados é muito alto, então a relação pode até parecer baixa em um primeiro momento, mas não são (Atualmente, os EUA contam com mais de 688 mil infectados confirmados no país, mesmo se tivermos apenas 20% com sintomas graves, já são mais de 137 mil pessoas). No Brasil, a maioria dos infectados pela doença tem menos de 60 anos. Tendo São Paulo (principal epicentro no país, com mais de 11 mil casos) como exemplo, a porcentagem dos infectados de 20-39 anos é de 40%, e sobe para 77% quando essa faixa vai até os 60 anos, representando cerca de 21% dos óbitos no estado (https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-04-16/jovens-internados-mostram-rejuvenescimento-da-covid-19-no-brasil.html). Ou seja, no Brasil a população mais jovem está demandando muito do sistema de saúde, voltando a atenção dos profissionais da área e o alocamento de recursos para tratar desses casos, e com o crescimento destes, o potencial de colapsar o sistema é enorme. E não achem que basta ser jovem e atlético para não correr riscos com a doença. O nadador Cameron van der Burgh, campeão olímpico em Londres-2012 e prata no Rio-2016, comentou que foi a pior doença que ele já teve (https://extra.globo.com/esporte/com-coronavirus-medalhista-olimpico-critica-coi-fala-da-doenca-pior-que-ja-sofri-24321798.html). Os mais jovens podem se recuperar mais rápido, mas ainda assim vão precisar de tratamento e precisar utilizar do sistema de saúde para se recuperarem, fazendo com o que a atenção se foque nesta nova doença, o que acaba invariavelmente, diminuindo a atenção em relação aos outros atendimentos que seriam necessários em outros casos.
Um sinal disso é o enorme aumento do número de internações por insuficiência respiratória que o Brasil registrou em março de 2020 (quando a doença havia recém chegado no país). Entre 15 e 21 de março, houve 2250 internações por insuficiência respiratória, sendo que a média histórica par ao mesmo período era de 250 a 300. Note que essa data nunca foi colocada como sendo o pico da curva do covid-19, e mais, nessa época ainda se faziam muitos poucos testes para saber se era essa doença ou não. Mesmo assim, a demanda já crescia com muita força (https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/27/internacoes-por-problemas-respiratorios-estao-10-vezes-maiores-que-a-media-no-brasil-aponta-fiocruz.ghtml)
E isso me trás ao ponto inicial desse artigo. A sobrecarga que a doença causa no sistema de saúde, impacta diretamente no atendimento do sistema. É preciso olhar o quadro como um todo. Aqueles acidentes menores que poderiam ser facilmente tratáveis, podem se tornar fatais (desde pequenos acidentes domésticos até acidentes de carros que inicialmente não seriam fatais). Doenças que já circulam com uma curva controlada de infecção e letalidade, podem ter essa curva aumentada. Infartos ou problema súbitos vão ficar ainda mais letais. Infecções, inflamações podem desenvolver para coisas mais graves. Isso por que o sistema vai estar abarrotado por conta do Covid-19. Ele vai entrar em colapso como estão dizendo, afetando TODOS os atendimentos. Não terá leito para pessoas com outras doenças ou necessidades. Não haverá ambulâncias e paramédicos o suficiente, para atender chamados emergenciais, pois estes atenderão o surto que explodiu, ou menos terão que ir buscar os corpos daqueles que morreram em casa. Os profissionais de saúde estarão saturados por causa dos doentes de covid-19, e mais, eles mesmo são os que correm mais risco de serem contaminados, precisando de tratamento e diminuindo o número de pessoas que estariam na linha de frente tratando dos necessitados. E não poderão tratar nem deles, nem de qualquer outra pessoa que precise de atendimento de saúde. Esse colapso não aumentará apenas o número de óbitos pelas pessoas com a doença em si, mas tem um potencial de levar a óbito por qualquer causa que em tempos fora da pandemia seriam consideradas evitáveis ou facilmente tratável. Porque o sistema de saúde não vai dar conta.
Esse é o problema principal da doença, e por isso que toda qualquer morte que possa ser vista como evitável, deve, sim, entrar como causada pelo Covid-19, de forma direta (a doença sendo a causa) ou indireta (não havendo tratamento a pessoa necessitada, porque os esforços estão voltados para aqueles doentes pelo Covid-19).