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A estratégia da tensão

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por Homero Costa

 

Desde que assumiu a presidência da República, Jair Bolsonaro vem acumulando críticas sobre como tem se comportado tanto em relação aos seus adversários como relação às instituições. Ao tratar seus críticos como inimigos, atiça ainda mais o ambiente de polarização que o país vive.

São muitos exemplos de declarações polêmicas. Uma das mais recentes foi o ataque ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, insinuando que seu pai, uma vítima da ditadura, preso e desaparecido político, teria sido justiçado pelos seus companheiros. Bruno Bolgasian num artigo publicado na Folha de S. Paulo no dia 31 de julho de 2019 diz que este fato “mostra que Bolsonaro está disposto a descer muitos degraus. Numa tentativa indecorosa de desqualificar Felipe Santa Cruz, ele passou a desfiar versões sobre o desaparecimento de seu pai na ditadura, sem respaldo em informações objetivas”. Tratou-se, nesse caso, do aviltamento da memória de uma vítima da repressão e este talvez tenha sido o ápice de um conjunto de declarações que revelam total falta de sensibilidade e mesmo de humanidade.

A retórica agressiva dá continuidade a sua trajetória política como parlamentar. No plano das relações exteriores, protagonizou episódios que afrontam alguns dos princípios históricos das relações internacionais do Brasil, como o pacifismo e a nãointervenção em assuntos de outros países. Atuando na definição da agenda da política externa com premissas como o combate ao “globalismo” e a um (inexistente) “marxismo cultural”, tem buscado manter um alinhamento político e ideológico com os Estados Unidos e de aproximação com países e governos de direita e extrema direita, como na América do Sul, Chile, Colômbia, Paraguai e Argentina.

Em relação ao Chile, em mais um episódio de agressões gratuitas, em pronunciamento realizado no dia 4 de setembro de 2019, ele atacou a ex-presidente do Chile e atual alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet. Segundo ele “se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973”, hoje o Chile seria uma Cuba” (Bolsonaro defende repressão do regime chileno. Folha de São Paulo, 5/9/2019, p.A20) e ainda fez referências ao pai da ex-presidente, Alberto Martínez Bachelet, brigadeiro da Força Aérea do Chile que se opôs ao golpe de 11 de setembro de 1973. Ele foi preso e submetido à tortura por vários meses até sua morte por ataque cardíaco sob custódia, em 1974 (https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-ataca-pai-de-bachelet-torturado-peladitadura-no-chile/). O presidente ainda afirmou que a cadeira de Direitos Humanos da ONU é coisa de “quem não tem o que fazer, como Bachelet”.

Suas declarações foram respostas às falas de Michelle Bachelet que havia criticado o aumento da violência policial no Brasil, dos ataques aos defensores de direitos humanos e às universidades, expressando sua preocupação com a redução dos espaços democráticos no país.

Bruno Boghossian, no artigo vexame internacional gratuito, publicado no dia 5 de setembro de 2019 no jornal Folha de S. Paulo diz “Jair Bolsonaro não perde uma oportunidade de enaltecer a tortura e os assassinatos políticos. O presidente levou o país a mais um episódio gratuito de vergonha internacional ao defender o regime militar do Chile, que deixou 3.000 mortos e desaparecidos, e ao ofender a ex-líder Michelle Bachelet”. Ele ainda destaca o fato de até o presidente do Chile, Sebastián Piñera, de direita e aliado do governo brasileiro, discordou das declarações de Bolsonaro afirmando que “nem a direita chilena tolerou a barbaridade” e que “depois de hostilizar Alemanha, França, Noruega e um possível presidente argentino, Bolsonaro mancha um pouco mais a imagem do Brasil. O país pode ficar isolado, pendurado no paletó de Donald Trump”.

No jornal o Globo de 5 de setembro de 2019, Miriam Leitão atribuiu a Bolsonaro o título de “governante com mente autoritária”, chamando de “patológica” sua compulsão pelas ditaduras e “admiração ilimitada pelos regimes tirânicos” e considerou como desumana a atitude do presidente em relação à Michelle Bachelet. (“Mente autoritária e seus métodos”).

A defesa do presidente a ditadores, torturadores e regimes militares faz parte de sua trajetória política. Ficou famosa a homenagem que fez a Brilhante Ustra no plenário da Câmara dos Deputados (“o terror de Dilma Rousseff”). Carlos Alberto Brilhante Ustra foi o primeiro militar reconhecido formalmente pela Justiça como torturador, em 2008, condenado em uma ação declaratória por sequestro e torturas ocorridas entre 1972 e 1973, contra Maria Amélia de Almeida Teles, César Augusto Teles e Criméia de Almeida. A decisão foi confirmada pelo TJ-SP em 2012. Depois, a 3ª turma do STJ manteve decisão que reconheceu a existência de “relação jurídica de responsabilidade civil com ex-presos políticos, em razão da prática de ato ilícito durante a ditadura”.

Como presidente deu continuidade às homenagens a ditadores, tendo saudado Augusto Pinochet, que além de ditador e responsável pela morte de milhares de pessoas, também foi acusado de ladrão: uma matéria publicada no jornal O Globo no dia 25/08/2018 informa que “a justiça do Chile concluiu que Augusto Pinochet desviou dinheiro público”. Segundo a matéria a sentença apontou que o patrimônio total deixado por Pinochet era de US$ 21,3 milhões., dos quais US$ 17,8 milhões eram de origem ilícita e que apenas US$ 1.621.554,46 poderiam ser confiscados dos herdeiros. (https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/08/25/justica-do-chile-conclui-que-augustopinochet-desviou-dinheiro-publico.ghtml).

Pinochet ficou no poder durante 17 anos, período no qual foi acusado de cometer crimes de genocídio, torturas, fuzilamentos e desaparecimento de milhares de pessoas. Em 16 de outubro de 1998 ele foi preso em Londres e o juiz espanhol Baltazar Garzón solicitou sua extradição para a Espanha, justificada por uma queixa criminal relativa à Operação Condor, uma articulação das ditaduras latino-americanas para perseguir e eliminar opositores.

“Na ditadura chilena, 3.065 militantes, lideranças de esquerda e intelectuais foram assassinados pelo Estado, e quase 40 mil foram torturados, de acordo com relatórios produzidos por comissões da verdade após o fim do regime”. (https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47674503)

No dia 26 de fevereiro de 2019 no evento de posse do general Joaquim Silva e Luna na presidência da usina de Itaipu, o presidente voltou a elogiar comandantes do regime militar no Brasil – a quem atribui o “mérito” da obra – e chamou o ditador paraguaio, general Alfredo Stroessner, de estadista. (https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-chama-general-stroessner-de-estadistae-nao-responde-pergunta-sobre-censura/ ).

Ariel Palacios e Daniel Salgado num artigo publicado no dia 27 de fevereiro de 2019 na revista Época, afirmam que o general Stroessner foi “O mais longevo dos ditadores militares da América do Sul, que comandou o Paraguai entre 1954 e 1989, em um regime de corrupção, pedofilia, estupros, violações de direitos humanos e perseguição política”. E informa ainda que “atualmente, o regime de Stroessner é investigado pelo governo paraguaio, inclusive pelo Departamento de Memória Histórica e Reparação do Ministério da Justiça. Entre os casos descobertos, analisados e trazidos a público sobre aquela ditadura estão gravíssimas violações dos direitos humanos, pedofilia em série e atuação próxima ao narcotráfico” https://epoca.globo.com/7-fatossobre-ditador-e-pedofilo-reiterado-elogiado-por-bolsonaro-23486277

Ainda no plano dos conflitos nas relações internacionais o caso mais recente foi com a França, no qual o presidente e dois dos seus ministros publicaram comentários desrespeitosos sobre o presidente francês e sua mulher. O do presidente foi um comentário no Facebook: uma mensagem que zombava do físico da primeira-dama francesa, Brigitte Macron, e a comparava (desfavoravelmente) à sua mulher, Michelle Bolsonaro. O ministro da Educação, Abraham Weintraub – o que confundiu o escritor Franz Kafka com um prato da culinária árabe (kafta) – escreveu no Twitter que o líder da França “é apenas um calhorda oportunista buscando apoio do lobby agrícola francês” e defendeu “ferro no cretino”. Depois foi a vez do ministro da Economia, Paulo Guedes, que no dia 5 de setembro de 2019, num evento público,ao comentar a aparência física da mulher do presidente francês, disse: “O Presidente falou mesmo, e é verdade mesmo, a mulher é feia mesmo. Não existe mulher feia, existe mulher observada do ângulo errado”. Já o filho e deputado, Eduardo Bolsonaro, o aspirante a embaixador do Brasil nos Estados Unidos, chamou o presidente francês de “idiota” e “moleque”

Em síntese, um conjunto de grosserias que não contribuem para nada, a não ser causar indignação pelos comentários desrespeitosos, como também por tornar o país motivo de chacota internacional.

A questão é: com que objetivo se faz isso? É possível afirmar que a afronta é uma estratégia política? Há método por trás disso? Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, sim, há método nessa loucura: “Por trás dessas intempestivas iniciativas presidenciais (…) com a marca da gratuidade e da irrelevância (…) longe de serem manifestações de insanidade se comportam como peças estratégicas nas artes da manipulação da opinião pública no sentido de ocultar a intenção real do governo”.

Para ele, o objetivo é o de “chamar a atenção para os faits divers, concedendo ao governo tempo e liberdade para operar no campo da sua política de estado-maior (…) de um plano de larga envergadura em que a ação presidencial não se encontra desamparada, pois está ancorada nas elites econômicas do país desavindas com o tipo de cultura e de instituições que o país foi sedimentando ao longo do seu processo de modernização, refratário desde sempre a um capitalismo vitoriano avesso à regulamentação”. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591497-o-metodo-destaloucura-artigo-de-luiz-werneck-vianna

Muitos têm alertado para o fato de que o uso sistemático de discursos que afrontam direitos e hostilizam instituições tenham o objetivo de minar a possibilidade de construção de um projeto para uma sociedade mais livre, justa e solidária.

Wilson Gomes, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA, publicou um artigo na revista Cult (2 de agosto de 2019) analisando apenas 15 dias de “insultos, declarações ofensivas, afirmações incompatíveis com o cargo e provocações infantis (…) de consecutivas de “caneladas” de Bolsonaro, indaga: Mas por que um presidente da República se comporta desta maneira? Por que não filtra o que diz, pensa um pouco mais, busca informação, pondera, minimiza? Por que não se cala, de vez em quando, ao invés de procurar todas as oportunidades de buscar confusão fazer declarações chocantes?”

Como são conhecidas suas declarações antes, durante e depois das eleições, será que ele foi escolhido por seus eleitores pela identificação com o que ele diz e faz? E mais: se há uma estratégia, pode até ter êxito unindo seus seguidores, mas não deixa de ser um risco quando, como diz Wilson Gomes “o objetivo não é governar com a maioria, mas buscar a tensão, a provocação desnecessária, o conflito. Nesse sentido, a estratégia não pode ser o da conciliação, porque isso certamente desagradará seus apoiadores, mas apostar no conflito, na polarização. O que ele quer é a coesão interna de suas tropas e não construir pontes como os outros”.

Enfim, a estratégia da tensão só contribui para divisão e estímulo ao ódio e não para pacificar o país. E se as polêmicas declarações de Bolsonaro como deputado lhe renderam fama (e apoio) agora integram sua forma de governar, com todas as suas consequências.