Homero Costa
O Barômetro das Américas (Lapop), vinculado a Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, realiza pesquisas de opinião desde 2006 e entre outros aspectos avalia a percepção dos cidadãos de mais de 30 países das Américas e Caribe sobre governo, eleições, confiança nas instituições, tolerância e participação em atividades políticas.
Os dados disponibilizados mais recentes são referentes a uma pesquisa realizada entre janeiro de março de 2019, e no Brasil teve a parceria da Fundação Getulio Vargas (FGV) e a coleta das entrevistas foi feita pelo Ibope. A pesquisa anterior foi realizada em 2017.
Um dos resultados da pesquisa é a de que 58% dos entrevistados estão insatisfeitos com a democracia. De qualquer forma, representou uma queda em relação a pesquisa anterior, de 2017, cujo percentual foi 78%.
Para os democratas, a boa notícia é que cresceu a proporção dos que acreditam que a democracia é a melhor forma de governo. Eram 52% em 2017, agora são 60%. No entanto, cerca de um terço (35%) é favorável a um golpe militar “em um cenário de muita corrupção”. O apoio cresce para 43% entre os que se consideram de direita e este percentual cresce para 47% entre os evangélicos.
Outro aspecto revelado na pesquisa foi o crescimento da direita. Pela primeira vez desde 2012, há mais pessoas que se declaram de direita do que de esquerda: 39% (maior número já registrado) e 28%, respectivamente.
De qualquer forma, é relevante a constatação de que a maioria (65%) é contrária a golpe militar e ditadura. Não houve variação em relação a 2017.
A pesquisa também revelou que 38% acham que o presidente pode dissolver o STF (Supremo Tribunal Federal) e governar sem ele “caso o país enfrente dificuldades”. Em 2012 era apenas 13%.
O fato é que, segundo os dados do Lapop, comparado aos demais países da região, o Brasil fica em 9º lugar no ranking de respeito às instituições, atrás de Nicarágua, México e Guatemala.
A instituição que mais gera confiança são as Forças Armadas (70%). O Congresso Nacional e os partidos políticos, mais uma vez, são os mais mal avaliados: 31% e 13%, respectivamente. E também os políticos: para 79% a maioria é corrupta e para 29% todos são corruptos.
O cientista político Noam Lupu, da Universidade Vanderbilt (EUA), um dos coordenadores da pesquisa do Barômetro das Américas, esteve no Brasil em junho de 2019l para apresentar e discutir os resultados da pesquisa. Numa entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, no dia 8 de junho de 2019, ao comentar a respeito do crescimento na confiança na democracia no Brasil, diz que a pesquisa foi feita logo após a posse do presidente e que “Parece ser uma espécie de lua de mel. As pessoas reconheceram que as eleições funcionaram, estavam infelizes com o PT e o então presidente Michel Temer. Veio algo novo. A democracia provê mudança quando você quer. O que é bom. Mas é difícil saber se esse sentimento positivo se manterá. E acho muito improvável que a confiança na democracia retorne a níveis pré-2014”.
Para ele, houve dois fatores importantes que explicam os dados da pesquisa: a crise econômica e os escândalos de corrupção (…) “que deslegitimam a política e as instituições tradicionais, como o Congresso e os partidos”.
Embora destaque a importância dos partidos para a democracia, considera que os partidos na região, em geral, são fracos e não por acaso estão entre as instituições com a menor confiança das pessoas e que “a ausência de partidos fortes cria oportunidades para candidatos que vêm do nada, baseados no carisma. É um pouco o caso do Bolsonaro”.
Ele destaca o papel do PT. Para ele, o Brasil não tem tradição de partidos fortes, mas o PT é uma exceção: “Vejo uma ótima oportunidade agora para o PT se reorganizar, por estar na oposição. Governar é fazer acordos, adotar medidas não populares. Na oposição você pode ser purista. O partido pode voltar às suas marcas originais. Neste momento o PT não consegue definir uma bandeira clara, nem têm surgido novas lideranças claras… Mudança geracional é um problema comum nos partidos. Mas acredito que o PT se sairá bem, já que tem muitos membros com experiência municipal e estadual”. E vê como crucial o que chama de “definir as bandeiras”e que “Ser contra o governo simplesmente não é suficiente. As pessoas precisam ver algo como “esse partido me representa, e esse governo, não”. No caso do PT “precisa definir se as bandeiras serão diminuição da desigualdade, melhoria na educação ou resgatar as bandeiras históricas, como apoio à democracia e participação”.
Em relação às pesquisas sobre democracia, o Instituto Latinobarômetro, sediado em Santiago (Chile), também faz pesquisas sistemáticas na América Latina desde 1995 e seus dados mostram que o apoio à democracia teve seu auge em 1997, quando atingiu 63%. Entre 1997 e 2010 manteve-se mais ou menos estável, mas entre 2010 e 2018, devido a uma série de fatores (Marta Lagos, coordenadora do Instituto se refere, entre outros aspectos ao fim do que ela chama de “medidas contracíclicas” dos governos) começa uma onda de protestos na região e o apoio a democracia declina de maneira sistemática até chegar a 48% em 2018 que, segundo Lagos, é seu ponto mais débil desde a crise asiática em 2001.
Segundo os dados do Latinobarômetro em apenas nove países o apoio a democracia superava os 50% e o percentual mais elevado era da Venezuela com 75%, seguidos pelo Uruguai, com 61% e Argentina com 59%. O Brasil aparecia com apenas 34%.
Os dados disponibilizados pelo Lapop em 2019 são diferentes em relação aos dados do Latinobarômetro de 2018, considerado por Marta Lagos como o pior ano para a região desde o início das pesquisas em 1995. Segundo o Latinobarômetro não houve nenhum indicador que tenha tido uma evolução positiva e a queda de confiança na política teve seu maior percentual, mas os dados da pesquisa do Lapop, em relação à confiança nas instituições, mostra que houve um crescimento em relação à pesquisa de 2017: de 41 para 51%, o segundo percentual mais alto desde o inicio das pesquisas em 2006. O mais alto foi em 2012, com 66%. A satisfação com democracia cresceu, de 22% para 42%, entre 2017 e 2019. O nível, porém, ainda está distante dos 66% de 2012.
Um aspecto relevante da pesquisa do Lapop é que voltou a crescer o percentual dos que consideram a democracia a melhor forma de governo. Eram 52% em 2017 e passou para 60% em 2019, embora 58% se declarem insatisfeitos com o funcionamento do sistema democrático.
Há várias leituras possíveis desses dados. Constatou-se o crescimento do apoio ao regime democrático, o que é positivo e talvez seja explicado no momento em que a pesquisa foi feita, quando o governo ainda dava os primeiros passos, mas também um percentual expressivo de insatisfeitos com o regime democrático e um percentual acima de 30% que apóia golpes militares (em cenário de muita corrupção…). Mas tanto as pesquisas do Latinobarômetro como do Barômetro das Américas constatam um baixo índice de confiança nas instituições, que pode levar a um abandono do apoio à democracia, com o crescimento da indiferença em relação ao tipo de regime político.
Como foi constatado em uma pesquisa feita pela XP/Ipesp entre os dias 11 e 13 de março de 2019, a avaliação negativa do presidente cresceu 7 pontos em apenas um mês e em três meses teve a pior avaliação em início de primeiro mandato desde 1990. A continuar a queda, os dados de futuras pesquisas em relação à democracia podem revelar também uma queda de seu apoio.
E talvez esta seja uma questão crucial. A diminuição do apoio ao regime democrático pode levar à tentativas de saídas autoritárias e a descrença à indiferença e o problema, como disse Marta Lagos, é que os indiferentes votam e podem produzir mudanças políticas, sem lealdades ideológicas nem partidárias e ainda sujeitas a todo tipo de manipulação, com resultados e conseqüências imprevisíveis.