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Democracia em risco?

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Por Homero Costa – Professor da UFRN

A corporação Latinobarômetro, sediada em Santiago (Chile), é uma organização que tem feito pesquisas sistemáticas na America Latina desde 1995. Entre outros aspectos, através de uma série de indicadores, mede o apoio à democracia na região.  No relatório de 2018, divulgado em novembro, são apresentados alguns dados preocupantes, especialmente quanto aos indicadores de confiança na democracia.

Considerado o período 1995 a 2018, houve uma regressão: apenas 5% dos aproximadamente 20 mil entrevistados em 18 países dizem que existe plena democracia em seus países, registrando-se o crescimento do número de cidadãos que se declaram indiferentes ao tipo de regime dos seus países (os dados da pesquisa estão disponíveis em www.latinbarómetro.org). O relatório informa ainda que apenas 20% dos latino-americanos acreditam que seus países estão progredindo (no caso do Brasil, são apenas 6%), 23% que existem “pequenos problemas” e 45% que a democracia em seus países tem “grandes deficiências”. Enfim a confiança e a credibilidade da democracia estão sendo questionadas em praticamente todos os países da região.

Marta Lagos, diretora do Latinobarômetro, no artigo El fin de la tercer ola de la democracia (in: www.latinbarômetro.org) diz que em 2004, quando foi publicado o primeiro informe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre a democracia na América Latina, o jornal New York Times publicou dados do Latinobarômetro em um artigo no qual assinalava que era possível uma regressão autoritária na região. Para ela, a noticia produziu muitas controvérsias durante mais de uma década e em especial quanto possibilidade de volta dos militares ao poder na região O que não previu, é que não se necessita de golpes militares para estabelecer autoritarismos, ou seja, pode-se chegar ao autoritarismo pela via eleitoral.

A pesquisa revelou também que no Brasil, a confiança interpessoal é de apenas 4%%, indicando que os brasileiros praticamente não confiam em ninguém, muitos menos nas instituições e, entre elas, as mais desacreditadas são o Congresso Nacional e os partidos políticos. Esse desalento certamente contribui para que candidatados apresentados ao eleitorado como outsiders com boas técnicas de marketing (fazendo aparecerem aquilo que eles de fato não são) tenham êxitos eleitorais.

Como consta no informe, desde que o Latinobarômetro começou a realizar pesquisas, o apoio à democracia teve seu auge em 1997, quando atingiu 63%. Até 2010, houve uma queda, mas neste ano (2010) chegou a praticamente o mesmo patamar: 61%. Segundo Lagos, entre 2010 e 2018 devido ao fim do que ela chama de “medidas contracíclicas” começa uma onda de protestos na região e o apoio a democracia declina de maneira sistemática até chegar a 48% em 2018 “que é seu ponto mais débil desde a crise asiática em 2001”.

Segundo os dados do Relatório, em apenas nove países o apoio a democracia supera 50% e o percentual mais elevado foi apresentado pela Venezuela (75%), seguidos pelo Uruguai, com 61% e Argentina com 59%, enquanto no Brasil o percentual foi de apenas 34%.

Em relação às eleições de outubro de  2018 no Brasil, para Marta Lagos, não deveria ser surpresa a vitória do candidato da extrema direita: “Essa surpresa não deveria ser tal se levarmos em consideração que 65% dos brasileiros dizem que a democracia tem problemas (grandes e pequenos) e assim trata-se de “um país onde a crítica à democracia teve conseqüências eleitorais”.

2018 foi considerado por ela como o pior ano para a região desde o início das pesquisas do Latinobarômetro em 1995. Como consta nos dados da pesquisa e no informe, não há nenhum indicador que tenha uma evolução positiva e a queda de confiança na política teve seu maior nível de desencanto. Nesse contexto, em relação aos resultados das eleições indaga: ”Como poderia ser de outra maneira?”

Em síntese, o que se pode constatar é que há um abandono dos cidadãos da região em apoio ao regime democrático, com altos índices de indiferença em relação ao tipo de regime político, alijando-se assim da política, da democracia e suas instituições. “Este indicador nos mostra um declínio por indiferença. No entanto, são estes indiferentes que votam e que estão produzindo mudanças políticas, sem lealdades ideológicas nem partidárias”.

Assim, não por acaso quando foi perguntado aos entrevistados para quem governam seus presidentes 79% disseram que era para os grupos mais poderosos e em seu próprio benefício. Em 2006, esse percentual era de 61%. A pesquisa também analisa a imagem das Forças Armadas e de segurança. O apoio a ambas caiu de 50% para 44% entre 2016 e 2018. O país onde existe maior confiança nas forças militares é o Uruguai, com 62%. No Brasil, o índice é de 58%.

São os dilemas enfrentados pela democracia no país que a editora Companhia das Letras convidou 22 especialistas de várias áreas (sociologia, direito, ciência política, história, psicanálise, economia etc.) para analisarem o cenário brasileiro tendo como referência às eleições de 2018, com seus resultados e perspectivas em relação à democracia. O livro foi publicado com o título “Democracia em risco? – 22 ensaios sobre o Brasil hoje”.

O que representa a vitória de um candidato de extrema direita? São muitas as interrogações e este é o desafio que os autores pretendem responder, sem a pretensão de ter todas as respostas. Trata-se de um livro de intervenção, circunstanciado, que objetiva contribuir para a compreensão desse processo e suas conseqüências.

Entre os artigos, “A bolsonorização do Brasil”, de Ester Solano, professora de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, que mostra, entre outros aspectos, que não se trata de um fenômeno regional ou nacional: “Em vários países, como os Estados Unidos com Donald Trump, Itália com Matteo Salviani ou Hungria com Viktor Orbán, candidatos de extrema direita ganharam eleições capturando o sentimento de frustração e desesperança, se apresentando com discursos de renovação”.

Para ela, os grupos de extrema direita se fortaleceram “explorando a retórica antissistema” e assim “estamos diante de uma tendência política que não tem em seu centro questões programáticas ou propositivas, mas é construída a partir da negação. No caso do Brasil, não é apenas antipetista, mas também antipartidária e antiesquerdista. E mostra como a negação da política e os ataques as pautas identitárias foi muito (bem) explorada na campanha eleitoral.

No livro Como as democracias morrem (Zahar, 2018) Steven Levitsky & Daniel Ziblatt analisam o que consideram como as novas formas de autoritarismo que surgem no mundo e mesmo em países com tradição democrática não conseguem se imunizar em relação ao colapso da democracia e argumentam que há outras maneiras de arruinar uma democracia, menos dramática, mas igualmente destrutiva: elas podem morrer não nas mãos de golpistas, mas de líderes eleitos que subvertem o próprio processo que os levou ao poder. Creio que esta é uma grande ameaça para a democracia hoje.

Assim, o retrocesso democrático – beneficiado pelo aumento da descrença em relação aos partidos e às instituições democráticas – se amplia quando autoritários são eleitos.

Há, portanto, razões para preocupação. Será, no entanto, que o colapso da democracia é inevitável e irreversível? Depende de como se constituem a atuam as trincheiras da resistência. Hoje não há, nem no Congresso Nacional nem na sociedade de uma forma mais geral, uma oposição política organizada.

Se os setores democráticos e a esquerda, que tem um papel fundamental nesse processo, se divide e brigam mais entre si do que com os que querem acabar com a democracia, só vai beneficiar os que querem destruí-la.

Em sua essência, as normas democráticas devem e precisam ser preservadas. No Brasil experiências efetivamente democráticas não tem sido a regra ao longo da história e hoje lutar pela igualdade e o respeito à diversidade é um grande desafio: enfrentar o fascismo cotidiano, a extrema direita e suas candidaturas, esvaziadas de propostas programáticas ou com projetos políticos antidemocráticos, cujos êxitos eleitorais, entre outras razões, se devem ao fato de ter sabido usar com eficácia as redes sociais, manipulando e mobilizando ódios e ressentimentos.