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O triunfo do discurso delirante e da folia do ódio

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O resultado das últimas eleições em nosso país não pode ser analisando apenas pelos números e pelas obviedades tão comuns e presentes dos discursos dos ditos analistas políticos de nossa imprensa convencional. Estamos diante de novas formas produção de subjetividade que são fomentadas a partir de circulação de notícias falsas, em que a falácia tem mais valor que os fatos objetivos. A atmosfera hostil criada pela circulação de notícias falsas nesta última campanha eleitoral nos serve como fomento de importantes reflexões sobre sujeitos contemporâneos de nossa sociedade.

A ascensão do discurso delirante começa a se intensificar seriamente a partir de 2014 e na campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Tendo como base intolerância, analfabetismo político assustador e forte tendência autoritária. Daí abriu-se caminho para surgimento de grupos e sujeitos que representavam a “indignação” contra o sistema político (direcionadas apenas a um determinado partido e determinado segmento político), como MBL e a proliferação patológica das ideias autoritárias e extremistas de Jair Bolsonaro nas redes sociais.

As redes sociais foram se tornando a “fonte de estudos” dos extremistas, dos analfabetos políticos e de todos aqueles que sempre tiveram imensa de dificuldade de ler, interpretar e contextualizar a informação que recebe. O grande problema desta “fonte de estudos” é que os difusores não estão comprometidos com valores democráticos e muitos deles nem sabem para o que serve Ministério Público ou STF, por exemplo. A propagação de notícias falsas foi se tornado um modus operandi dos grupos extremistas e todos aqueles que sempre tiveram dificuldade em lidar com a diversidade e valores democráticos.

Nas redes sociais foram se intensificando a proliferação de youtubers inescrupulosos, que sem constrangimentos difundem discursos delirantes, ódio e analfabetismo político diante de usuários (parte significativa) que tem pouco apreço pelos estudos e dificuldade de analisar de forma mais aprofundada a situação (política, histórica, cultural, etc.) de nosso país. A quantidade de likes, os comentários coniventes e de pouco inteligência demonstram o quanto a ignorância (principalmente em instantes de crise econômica e moral agudas) deixam os sujeitos vulneráveis à aderir facilmente às teorias de conspiração, ao discurso delirante e autoritário sem condições de questionar e contextualizar diante dos fatos reais.

E um dos reflexos do triunfo do discurso delirante em nosso país é a veneração á um senhor que se auto-intitula filósofo: Olavo de Carvalho. A excelência em teorias de conspiração, propagação de desonestidade intelectual e que cita suas mirabolantes ideias sem base para comprovação. Este senhor também se destaca pelo menosprezo pela ciência e pelo conhecimento produzido nas universidades. Não é difícil de perceber em seus discursos (incluso xingamentos pessoais e palavrões) que a sua grande questão não é de ordem política e sim de ordem psíquica, pois estamos diante de um sujeito transtornado que tem dificuldade de lidar com a realidade e como sintoma agride criando inimigos imaginários com disfarce de produção política e intelectual.

A negação da realidade é característica comum de sujeitos que sempre tiveram dificuldade de interagir com o cotidiano fora de seus mundos internos e o grande mecanismo de defesa de seus inconscientes será a manifestação desta dificuldade através da expulsão deste incômodo elegendo inimigos imaginários dentro de um contexto político e cultural. E o cenário político atual e a existência das redes sociais servem maravilhosamente como fomentadores fatais da exibição destes transtornos, pois uma defesa recorrente dos mesmos é evitar o debate, o contraditório e confronto de ideias que eles nunca conseguem lidar, apenas agridem seus adversários com argumentos politicamente miseráveis e descolados da história.

Os difusores dos discursos delirantes exaltam uma fantasiosa ameaça comunista como se estivéssemos nos anos de Guerra Fria, URSS e Muro de Berlim, não conseguem distinguir os tempos históricos e contextualizar os fatos políticos. Todos os sujeitos que defendem valores humanos básicos como educação pública, Estado laico, defesa de minorias, direitos humanos, respeito à diversidade sexual recebem o seguinte “xingamento”: comunistas.

Existe uma produção de “verdade” com lógica própria, partilhada por uma coletividade transtornada, mas com pouca conexão com a realidade e com os fatos históricos. Quando promovem a circulação e difusão de informações como a de que a ditadura militar no Brasil (1964-1985) não foi uma ditadura, que o nazismo de Adolf Hitler foi de esquerda, que a Ku Klux Klan é de direita, que existe uma ameaça comunista no Brasil, que a Terra é redonda, que não existe aquecimento global. Isso pode se chamar o que o historiador Leandro Karnal chama de seleção afetiva de identidade, ou seja, o que não faz parte de meu nicho ideológico e afetivo agrido, desqualifico e menosprezo.

Um dos últimos graves desastres sobre o “nazismo de esquerda” foi que analfabetos políticos tupiniquins insultaram e detrataram historiadores alemães, por explicarem as matrizes ideológicas de Adolf Hitler e afirmarem que o nazismo foi de extrema direita. Como suas fontes de “pesquisa” são Facebook/Whatsapp não querem se dar ao trabalho de ler e interpretar o livro Mein kampf para aferição da verdade e contextualização histórica, mas ficarem no lugar da patológica polarização ou no máximo ler o livro de CURIOSIDADES históricas de Leandro Narloch chamado Guia politicamente incorreto da história do mundo.

A consolidação da pós-verdade também pode ser resultante das mudanças que estão em curso nas últimas décadas, no que tange produção de subjetividade dos sujeitos sociais, que ao lidarem com a informação, as crenças pessoais e elemento emocional/afetivo tem mais influência que os fatos objetivos (pesquisados/comprovados). Daí que youtubers incautos e politiqueiros populistas se aproveitaram para manipular as massas através da velha fórmula de Joseph Goebbels, que é a de não falar para buscar resultado, mas causar algum efeito.

Outra importante e assustadora demonstração do triunfo do discurso delirante e folia do ódio é que o presidente eleito (notório defensor de práticas autoritárias e discurso de intolerância) tem Olavo de Carvalho como referência de saber (histórico, político e cultural). Ao ponto de o mesmo indicar semelhantes para ministério da Educação e Relações exteriores.

Importante lembrar que a existência e ascensão do clã Bolsonaro deve ser creditada a estes ingredientes nefastos e fatais dos últimos anos de crise política em nosso país: analfabetismo político, histórico autoritário, religiosidade alienada, ignorância, ódio e primordialmente uso tático de discursos delirantes e notícias falsas. O discurso populista, personalista, miserável politicamente (mas carismático) e afinado com o senso comum dos programas policiais frutificou e tragicamente se tornou a “alternativa” nestas eleições para os “revoltados” e os que temiam o “comunismo” no Brasil.

A ausência de educação cidadão em país tem sido uma das responsáveis pela tragédia política recente, pois chegamos ao ponto em que defender conduta ética, tolerância, direitos humanos, aferição da verdade e manutenção de valores democráticos é considerado comunismo (???).  A miséria cultural de nossa nação fez com que a representação da realidade tenha mais valor que a própria realidade, ou seja, a fantasia e as máscaras ganharam valor de conduta real diante daqueles que não conseguem condições de ler, interpretar e contextualizar a notícia que chega aos seus smartphones nos grupos de whatsapp ou facebook.

E será exatamente a difusão de educação cidadã que poderá “salvar” as gerações mais jovens da barbárie que está se anunciando. Pois triste concluir sabendo que sugerir o pensar e refletir está sendo considerado algo muito perigoso e nocivo no contexto atual de nosso país, que poderá prevalecer o que anunciou um famoso colunista: “ser burro é o novo pretinho básico”…triste.