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As eleições brasileiras e a encruzilhada histórica

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Uma breve análise das eleições brasileiras de 2018

Por Felipe Nunes

As eleições deste ano desvelaram o Brasil profundo sobre os nossos olhos. Duas candidaturas completamente antagônicas foram postas em disputa. De um lado, Jair Bolsonaro o líder da extrema-direita, deputado há 28 anos e conhecido por suas posições conservadoras, racistas, machistas e homofóbicas. Do outro lado, a candidatura de Fernando Haddad, representando o projeto social do lulismo e das forças populares, e que no segundo turno, representou a união das forças democráticas e populares brasileiras.

Antecedentes das eleições

Após 14 anos de governos na presidência da República, o Partido dos Trabalhadores teve seu mandato interrompido por um golpe parlamentar contra Dilma Roussef, capitaneado pelo congresso corrupto e conservador, simbolizado no deputado Eduardo Cunha. A agenda do golpe buscava aprofundar os ataques a classe trabalhadora. Com a crise econômica mundial aberta em 2008, o ciclo de desenvolvimento sem confrontar a estrutura econômica abruptamente desigual característicos dos governos petistas tornou-se inviável no Brasil. O golpe parlamentar contra ex-presidente Dilma Rousseff tinha como objetivo colocar sobre as costas do povo brasileiro as contas da crise, impedir qualquer tipo de redução da desigualdade e a manutenção dos privilégios dos mais ricos.

Dilma Rousseff (Foto: Reprodução)

O golpe parlamentar que depôs a presidenta Dilma Rousseff foi vitorioso graças a um amplo complô dirigido pelo poder judiciário em conjunto com a mídia hegemônica. O que se viu nos dois anos que sucederam o golpe foi uma perseguição brutal e diária ao Partido dos Trabalhadores, e consequentemente, as forças progressistas e de esquerda no país. O mesmo complô jurídico-midiático prendeu o ex-presidente Lula, que liderava até então as pesquisas eleitorais e venceria as eleições no primeiro turno. O cenário construído pela justiça e mídia hegemônica tradicional (Globo e cia) foi de um completo descrédito da política e das suas instituições, associando, sobretudo, a falência destas ao PT.

O cenário das eleições e seu resultado

Chegamos às eleições com ex-presidente Lula preso e com Bolsonaro alçado a representação deste complô. Afinal, Bolsonaro representava as forças mais reacionárias e conservadoras que protagonizaram o golpe contra a presidenta eleita Dilma Rouseff. Com Lula impedido injustamente a concorrer às eleições, o professor Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, foi ao segundo turno herdando os votos e o dever de representar o projeto social do Lulismo. Jair Bolsonaro obteve 55% dos votos validos (57 milhões de voto) contra 45% dos votos de Fernando Haddad (47 milhões de votos).

Comemoração em frente a casa de Jair Bolsonaro. (Foto: Ariel Subirá / VICE)

Do primeiro para o segundo turno, Bolsonaro ganhou 8 milhões de votos e Haddad conquistou 16 milhões de votos a mais. Outro dado estatístico importante desta eleição revela o maior índice de abstenção desde a redemocratização, cerca de 1/3 do eleitorado, mais de 30 milhões de votos.

O que os números revelam

Um olhar preliminar sobre os números revelam a continuidade de um país dividido entre o antipetismo, estimulado pela mídia hegemônica e pelo nosso judiciário parcial e seletivo, e do outro lado pelo projeto socioeconômico do lulismo. Um olhar mais cuidadoso e profundo sobre esses polos em disputa revela um país completamente desacreditado no sistema político. Existem três espectros de análise a partir dos números. Primeiro, os eleitores de Bolsonaro foram atraídos, por um lado pelo discurso conservador na moral e costumes, por outro pela representação anti-sistêmica incorporada pelo seu candidato, mesmo sendo deputado há 28 anos.

Um olhar mais cuidadoso e profundo sobre esses polos em disputa revela um país completamente desacreditado no sistema político.

Em segundo lugar, os eleitores de Haddad, em sua maioria, veem a justiça totalmente parcial e seletiva e uma ameaça concreta ao Estado democrático e de direito, seu principal líder está preso injustamente e uma ex-presidente foi deposta sem provas. O terceiro, e não menos importante espectro é representado por 1/3 do eleitorado que se absteve de participar do processo eleitoral e que está totalmente desacreditado de tudo que esta aí. No dialeto popular, “lavou as mãos” para o processo eleitoral.

A governabilidade nos próximos anos

Os elementos de descrença na política criam um cenário turbulento para o governo Bolsonaro nos próximos anos, acrescidos a uma profunda crise econômica com altos índices de desemprego, projetam um cenário totalmente instável. Os ingredientes econômicos propostos por seu ministro da Fazenda é de profundo ataque a soberania nacional e aos direitos sociais da população.

Cabe as forças populares e progressistas a tarefa de resistência e de manutenção da estrutura democrática brasileira.

O resultado dessa política projeta um cenário devastador comparável a Argentina liberal-privatista de Macri, aprofundamento da desigualdade social e da miséria através da venda das riquezas nacionais. As instituições brasileiras que já se demonstraram frágeis nos últimos anos, não repassam a confiança necessária que se manterá firme diante do autoritarismo representado por Bolsonaro. Cabe as forças populares e progressistas a tarefa de resistência e de manutenção da estrutura democrática brasileira.

Recobrar forças, unidade popular e organização a resistência

Vimos diante dos nossos olhos um Brasil profundo se desvelar. Vimos familiares, amigos, pessoas próximas apoiarem a candidatura que se colocava de forma violenta contra o direito das mulheres, negros/as, LGBTS e mais pobres em geral. Decepcionamo-nos, por hora sentimos medo, incapazes. O mês de outubro, por vezes, parecia suspenso sobre o ar. Após o resultado choramos, abraçamos os que lutaram a boa luta ao nosso lado.

Todavia, precisamos levantar a cabeça e pensar nos desafios que estão colocados para as forças democráticas e populares. O filósofo Espinoza empunhou a frase “Nem rir, nem chorar, mas compreender”. Precisamos compreender as razões que levaram o Brasil a está encruzilhada histórica. Nesse momento, sabemos que não estamos sozinhos nessa batalha, temos ao nosso lado milhões de brasileiros/as que estão dispostos a defender a democracia e os direitos sociais.

Jair Bolsonaro (Foto: Mauro Pimentel/AFP)

O Brasil vive uma encruzilhada histórica. O consenso político construído desde o fim da ditadura militar foi quebrado. As instituições brasileiras se afundaram e decidiram aprofundar a desigualdade e a pobreza em nosso país. As elites brasileiras, mais uma vez, demonstraram que não estão interessadas em ceder um milímetro dos seus privilégios. Todavia, o horizonte que nos apresenta nos enche de esperança. Existe uma enorme força social popular em movimento no Brasil, a última semana de campanha refletiu disso. Milhares de pessoas foram às ruas, montaram bancas nas praças, conversaram com eleitores, saíram de casa em casa para reconquistar o povo para a defesa da justiça social e da igualdade.

A batalha se inicia e temos milhões ao nosso lado.

Os próximos anos determinarão que tipo de Brasil construiremos. Um país soberano, igualitário e democrático. Ou um país, injusto, racista, homofóbico e machista, submisso aos interesses do imperialismo norte-americano e profundamente desigual. A batalha se inicia e temos milhões ao nosso lado. O ex-presidente do Uruguai, José Mujica, disse ontem em entrevista após a derrota das forças democráticas no Brasil algumas palavras que sintetizam as nossas tarefas nos próximos anos:

“Os únicos derrotados são os que cruzam os braços, os que se resignam a derrota. A vida é uma luta, uma luta permanente, com avanços e retrocessos. Não é o fim do mundo. Portanto, aprender com os erros cometidos e começar de novo. E deve ser permanente. E tampouco pensarmos que quando vencemos tocamos o céu com a mão e temos chegado a um mundo maravilho, não, apenas subimos um degrau. Tenhamos humildade do ponto de vista estratégico. Não há derrota definitiva, nenhum triunfo definitivo”.

Felipe Nunes é ativista social, professor e historiador.