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Sobre professor Euclides, consonâncias e a violência conservadora.

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Por Igor Gacheiro (Professor de Sociologia – IFRN)

“Há pouco fiquei sabendo que deram um tiro na cabeça de um esquerdista no Rio de Janeiro e ele levou uma semana para morrer porque a bala não encontrava o cérebro”. Marco Feliciano, ao dizer essa frase numa entrevista à radio Jovem Pan há poucas semanas, sintetizou a concepção dos que guerreiam contra a construção de uma sociedade minimamente sã. Como fragmento das estratégias utilizadas por pessoas da estirpe de Feliciano, o professor Euclides de Agrela, da rede pública de ensino do Ceará, vem, desde o último dia 11, passando por uma série de constrangimentos e ataques.

O duelo entre esquerda e direita é, e deve ser, constante no mundo capitalista. Esse duelo expressa alguns traços da democracia que almejamos. Um problema, porém, tem se tornado cada vez mais evidente nessa disputa no Brasil: a gritante disparidade entre o compromisso ético firmado pela esquerda e o compromisso ético firmado pela direita no debate (para comprovar isso, basta recorrer à frase de Feliciano acima mencionada ou às inúmeras injúrias propaladas contra Marielle Franco através de fake news). De um lado, vemos os que lutam pela efetivação de direitos mínimos e, do outro, encontramos um grupo de pessoas que preza visivelmente pela degradação desses direitos. A conduta da esquerda parece estar razoavelmente atrelada à produção teórico-científica, aos valores associados ao altruísmo e à proposta de diminuição das desigualdades sociais. Enquanto do outro lado o método está sempre amparado por reflexões supérfluas, por táticas de execração e pelo empenho em transformar assuntos sérios em chacotas.

Nos últimos anos essa disputa ganhou espaço nas instituições de ensino de todos os níveis. Principalmente motivada pelos pressupostos que fundamentam o projeto Escola sem Partido, uma parcela da comunidade escolar (composta por alunos, pais e [até] professores) insurge num afã vigilante, procurando erradicar o pensamento crítico das salas de aula. Professores que de alguma forma pretendem ratificar o projeto de uma educação emancipadora são captados pela vigilância hostil dos conservadores. Assim aconteceu com o professor Euclides: ao sugerir que um aluno, ao olhar para a realidade, descartasse impropérios militarescos e evangélicos, foi filmado e qualquer resquício pedagógico de sua ação foi transformado no que os de direita chamam de “doutrinação”.

O impulso conservador que atingiu Euclides promove, propositalmente, uma fatídica falta de esperança. Afinal, Euclides foi o primeiro professor, sobre o qual ouvi falar, a reivindicar que uma aluna trans fosse chamada pelo nome social na escola; é o professor que promove em suas aulas reflexões sobre os impactos da corrupção no Estado brasileiro; é aquele professor que tenta indicar para os alunos a via de acesso para o mundo político, o mundo das transformações. Todo o apoio destinado a esse professor é, portanto, sinal de consonância com um projeto que amplia as possibilidades de viver numa sociedade mais justa. Falar COM Euclides é empenhar-se em redefinir a esperança borrada num contexto de descrença generalizada.

Através do debate, as ideias se constroem com mais solidez. Mas isso só ocorre de fato quando os interesses dos grupos envolvidos nos jogos políticos estão conectados com propósitos situados na realidade. O que percebemos hoje é a formação de um grupo pretensamente ativo no contexto político, mas sem condições de corresponder a exigências triviais da população. Esse grupo, formado principalmente por apoiadores de Feliciano’s e Bolsonaro’s, desqualifica a própria existência do debate. Nesse sentido, fica fácil relacionar a atitude de Euclides a uma propícia e necessária reação a favor da construção de uma base consistente nas discussões sobre vida em sociedade.