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CARTA ABERTA AO MEU AMIGO ALIPIO EM TEMPOS NEBULOSOS

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Por Peter Fry – antropólogo inglês, professor aposentado de antropologia da UFRJ. Foi responsável, ao lado de outros colegas, pela consolidação da antropologia no Brasil

 

Grande Alípio,

Lembro-me do nosso primeiro encontro: eu, perdido nos corredores do Centro de Humanas da UFRN, procurando voltar à sala de reuniões da qual havia saído. Você me conduz à sala, com tanto carinho, que ficamos amigos até hoje.

Alguns anos depois, você veio para o Rio para fazer um pós-doutorado comigo. No ano anterior, 2007, você funda a Bagoas, a única revista acadêmica brasileira que trata de assuntos relacionados à homossexualidade.  Mais tarde, tive a honra de fazer parte da banca que te transformou em professor titular de sociologia na UFRN.  Ao contrário da maioria dos pretendentes à titularidade, você apresentou uma tese densamente argumentada e mais tarde publicada como livro.

Li, estarrecido, alguns dias atrás no facebook que alguns autores pensaram em retirar os seus textos que teriam submetidos para publicação na Bagoas. Não entendi nada, até ler outros comentários que te criticavam por ter “expulsado” uma aluna de sala de aula porque levava consigo uma filha sua de 5 anos de idade para as aulas.  A primeira reação minha foi a de sempre:  como é que algumas pessoas podem condenar outras, por supostas atitudes, a partir apenas de acusações? E mais:  como é que alguém pode imaginar “punir” um professor atacando a revista da qual é editor?

Aos “fatos”!  Na gravação publicada na internet, você fala sobre os custos da universidade (inclusive o seu próprio salário) e a importância, portanto, de levá-la (a universidade) a sério.  No final do áudio que eu ouvi, você observa que a aluna/mãe não te conhece e que se conhecesse saberia que era defensor da universidade. No final da gravação, você comenta: “em outro país, poderia ser expulsa”.  Mas o áudio termina aí, truncado; como se tivesse sido cortado nesse ponto propositalmente.

Bem, entrei em contato contigo.  Vi sua entrevista na TV e li a sua versão dos acontecimentos. A entrevista me chamou muita atenção, pois nela você reafirma tudo que disse na sala de aula, e insiste no ponto de que a universidade não pode (e nem deve poder) resolver todos os problemas de todas as pessoas que ali estudam, trabalham.  Criança em sala de aula, continuadamente, contraria o rito universitário.

Concordo com você, Alípio. E concordo mais ainda quando você relaciona isso a outros desenvolvimentos nas universidades em geral.  O patrulhamento por parte de grupos organizados se torna cada vez evidente.  Alguns de nossos colegas, acuados, não ousam colocar pontos de vista diversos.  E, o pior, termos como “fascista”, “racista”, “machista” etc. são usados para desqualificar quaisquer professores cujos pontos de vista eles não gostam.  Como vítima desse tipo de ataque, eu mesmo, dou-lhe toda a minha solidariedade.

meu abraço,

Peter