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Democracia  e apatia eleitoral

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Por Homero Costa  prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN

 A democracia moderna, consolidada no século XX, é produto das conquistas advindas do sufrágio universal, ampliando a participação eleitoral, criando partidos políticos de massa, aperfeiçoando as instituições políticas que regulam os conflitos sociais através da competição política (eleições regulares e respeito aos seus resultados etc.). A democracia tem, portanto, como um dos seus fundamentos à competição política, que supõe como condição essencial, sistemas políticos/eleitorais competitivos, no qual as eleições são fundamentais como fonte de legitimação.

No livro “Impasses da democracia no Brasil” (2016) Leonardo Avritzer afirma que o Brasil encontra-se no rol das nações com democracias fortes e consolidadas por “qualquer critério significativo proposto por teorias que medem o estado da arte da democracia no país”. Se considerarmos em seus princípios gerais de fato o Brasil pode ser considerado um país democrático: o direito à participação eleitoral é assegurado à maioria da população (em 2016 eram 144.088.912 eleitores), ocorrem eleições regulares, há liberdade de organização partidária etc., e comparado a outros momentos da história do país, o atual período é o maior de experiência democrática desde o fim da ditadura militar (1964-85).

No entanto, participação eleitoral não basta para qualificar um país de democrático. No Brasil, além do histórico de desigualdades sociais, concentração de renda, terras, dos meios de comunicação, etc., compromete a democracia, além de períodos ditatoriais, como as duas ditaduras do século 20: 1937-1945 e 1964-1985. E os processos eleitorais também não são democráticos, nem no período do Brasil colônia, embora houvesse eleições e partidos políticos, mas eram eleições restritas (censitária, que excluía a imensa maioria da população, exclusão das mulheres etc.), nem no período republicano: na Primeira República (1889-1930) as eleições eram fraudadas (e excludentes), no período de Vargas (1930-194), restrita, cujo eleitorado não chegava a 10% da população e mesmo com a ampliação do eleitorado no período entre 1946-1964, havia o (pré) domínio das oligarquias nos estados (que elegiam os representantes do Congresso Nacional) e o pós-ditadura, a partir das eleições de 1989, embora ampliasse o eleitorado, acabasse com a exclusão dos analfabetos, sempre houve o primado do poder econômico.

E mais: apesar do voto ser obrigatório, desde a primeira eleição presidencial pós ditadura, em 1989, há um expressivo contingente do eleitorado, em torno de 1/3, que os se abstém ou vota em branco e nulo.

Nas eleições presidenciais de 2014, por exemplo, de um eleitorado de 142 milhões, somados os votos nulos, brancos e abstenções, ultrapassou os 38 milhões. Só de abstenções, foram mais de 27 milhões. Em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso foi reeleito no primeiro turno, ele teve menos votos do que o somatório dos votos em brancos, nulos e abstenções, o que também ocorreu em relação à reeleição da maioria dos governadores, alguns reeleitos também no primeiro turno, como Garibaldi Alves Filho no Rio Grande do Norte.  Com índices tão expressivos, que vale para todas as eleições, de vereador à presidente da República, se o voto não fosse obrigatório, a tendência seria de aumento tanto das abstenções, como dos votos em brancos e nulos.

No que diz respeito às abstenções, que apresenta os maiores índices, não é um problema específico do Brasil. Dados relativos a diversos países na América do Sul, Estados Unidos e Europa (a maioria não tem voto obrigatório) indicam um crescimento das abstenções, que têm sido constatados pelo menos desde finais dos anos 1990.

André Freire, cientista político português, professor do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), autor de vários livros e artigos sobre abstenções eleitorais na Europa, constata a existência de uma tendência geral para o declínio da participação eleitoral, em especial nas eleições para o Parlamento Europeu, com países com índices que ultrapassam os 70% de abstenção. Nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 34,9 % dos eleitores portugueses votaram (Portugal foi o oitavo país em abstenções nessas eleições).

Os índices de abstenções expressa necessariamente uma apatia do eleitorado em relação às eleições? Creio que sim, expressa uma sensação de impotência no qual cada vez mais se sentem alijados das decisões políticas. O desencanto com a política, presente na maior parte das democracias políticas ocidentais, coloca imensos desafios para a democracia. Como conciliar desencanto com as instituições e apatia eleitoral, e democracia?

Embora as razões para esse desencanto sejam complexas, não havendo resposta única, e com variações entre os países, de qualquer forma, há um fator comum, que é a falta de credibilidade dos partidos políticos e dos respectivos parlamentos e que as preferências eleitorais não se traduzem em mudanças políticas significativas e muito menos democráticas. Falta de identificação com os partidos políticos, que não representam seus respectivos eleitorados e a perda da confiança nas instituições políticas, que se expressa no declínio das filiações partidárias, na queda nos níveis de ativismo e militância e no declínio da participação eleitoral.

Peter Mair, cientista político holandês, autor de vários livros e artigos a respeito dos partidos políticos, no livro “Há futuro para os partidos?” (2000) afirmou serem desalentadoras as perspectivas de reconstrução social dos partidos. A ideia central era a de que os partidos perderam seus vínculos sociais e se tornaram verdadeiras “máquinas eleitorais”, com cada vez mais empobrecida suas funções representativas, enquanto reforçam seu papel procedimental, de gestão burocrática. Nesse sentido os partidos não apenas se tornam mais distantes da sociedade, como se aproximaram mais do mundo do governo e do Estado. Há um deslocamento dos partidos, da sociedade para o Estado, priorizando o papel de detentor de cargos públicos.

Em outro artigo “Os partidos políticos e a democracia”(2003)  ele evidencia a incapacidade dos partidos para funcionarem como “agentes de representação”,  devido a uma série de razões, “incluindo mudanças na natureza da democracia, bem como mudanças tanto nos próprios partidos como na sociedade, em geral”. Para ele, a época do partido de massas acabou e dificilmente poderá ser recuperada.

Mas salienta que, ao mesmo tempo os partidos desempenham um papel importante que é o que ele chama de “gestão da democracia”.  Assim, do ponto de vista representativo estão em declínio, o seu papel procedimental continua a ser essencial e para ele, uma das formas pelas quais os partidos poderão garantir o seu futuro, “será enfrentando e aceitando as suas novas circunstâncias e procurando enfatizar a sua legitimidade como garantia de uma forma de democracia abrangente, transparente e responsável”.

O fato é que os chamados representantes, em geral, não representam os interesses daqueles pelos quais foram eleitos, e no caso do Brasil, agravado pelo poder econômico, que é decisivo nas eleições, ao mesmo tempo em que não há canais institucionais eficazes que permitam uma participação efetiva dos representados. A participação se limita basicamente a votar periodicamente e ter, no máximo, a possibilidade de renovar ou não o mandato dos eleitos.

Isto está associado à incapacidade dos partidos de articularem e representarem os distintos setores da sociedade, não exercendo as funções de integração, organização, mobilização, expressão e agregação de interesses.

Em relação aos partidos políticos, o cientista político Murilo Aragão no livro “Reforma política, o debate inadiável” (2014) ao analisar o contexto, a necessidade, os obstáculos, os pressupostos ideais, propostas e perspectivas de uma reforma política, afirma que os partidos no Brasil são apenas instrumentos de poder a serviço dos políticos. Basicamente, têm servido apenas para viabilizar candidaturas. O que existem são partidos oligarquizados, controlados por uma minoria e que representam muito mais os interesses dos financiadores de campanhas do que da sociedade em geral e dos seus eleitores em particular.

No caso do Brasil, os índices de participação eleitoral são expressivos, mas porque o voto é obrigatório. Também são altos os índices de votos em brancos, nulos e principalmente de abstenções. E não é como vimos um problema específico do Brasil.. A questão é: o voto obrigatório torna as eleições mais representativas e democráticas? Aumenta a credibilidade dos partidos políticos? A crise mais geral dos partidos e dos regimes democráticos podia ser atenuada com o instrumento do voto obrigatório? A nosso ver, a introdução do voto obrigatório poderá até aumentar a participação eleitoral, mas o problema não está na obrigatoriedade ou não do voto, mas na credibilidade dos partidos políticos e dos respectivos parlamentos.