Homero Costa – prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN
O parlamentarismo voltou a ser apresentado como solução política para o Brasil. Até o presidente (golpista) Michel Temer deu declarações a respeito. Segundo o jornal o Estado de S. Paulo, ele estaria disposto a “fazer um teste parlamentarista no fim do mandato”. No Congresso Nacional, há uma articulação liderada pelo PSDB, que tenta colocar o tema em discussão. E entre os entusiastas do momento, o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes. No dia 16 de agosto de 2017, ele entregou aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado uma proposta que considera como “esboço, uma versão preliminar” que visa à implementação do parlamentarismo no Brasil. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) propõe a adoção do parlamentarismo – a partir de 2022 – mas, claro, sem plebiscito. Para que consultar o povo? Segundo ele, no seu partido há quem defenda a necessidade de consulta popular, do que ele discorda e segundo o qual “a adoção do voto distrital misto já em 2018 seria o primeiro passo para a transição de sistema”.
O objetivo do presidente do TSE, no momento em que a Câmara dos Deputados tenta aprovar alguns itens de uma reforma eleitoral, é o de “iniciar essa discussão no congresso”. A proposta apresentada tem como base a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo senador e hoje ministro Aloysio Nunes (Relações Exteriores) em 2016, mas “com alguns ajustes”.
Historicamente, houve defensores bem mais qualificados do parlamentarismo no Brasil, como, entre muitos outros, o ex-deputado federal (RS) Raul Pilla. Ao defender o parlamentarismo afirmou que “o povo não é, com o sistema parlamentar, o soberano de um dia – o dia da eleição – mas verdadeiramente o senhor dos seus destinos, porque por intermédio dos representantes, a sua influência se está continuamente exercendo no governo. E, como os representantes se podem transviar, e os mandatários podem trair o mandato, o instituto da dissolução do parlamento restabelece as relações normais entre o povo e os seus representantes. Não há, nem até hoje foi nem sequer concebido mais perfeito mecanismo político que o do sistema parlamentarista”.
Um dos problemas para a adoção do parlamentarismo é, primeiro, falta de informação. Uma parte expressiva da população brasileira mal sabe, por exemplo, que o parlamentarismo significa transferir a chefia de Estado a um primeiro-ministro. Uma pesquisa divulgada no dia 14 de agosto de 2017 pelo Instituto Paraná Pesquisas revelou que 59,6% dos brasileiros (consultados pela internet) não sabem sequer o que é parlamentarismo e 46,4% rejeitam a mudança, e 39,4% é a favor.
Roberto Amaral, ex-presidente do PSB, em entrevista a Rede Brasil atual publicada em 19 de agosto de 2017, ao analisar o parlamentarismo no Brasil, e em especial neste momento, afirma que “No mundo, é um sistema de governo. Mas, no Brasil, é um instrumento de golpe, como foi na crise da posse de João Goulart. Sem discutir o parlamentarismo como tese, mas no nosso país é um instrumento que visa a impedir que as massas possam influir na composição do poder, quando vota para presidente e lembra que o histórico recente da Câmara dos Deputados seria um péssimo cabo eleitoral para os defensores da mudança de sistema hoje. Para ele “No parlamentarismo, quem governa é o Congresso. “Se transferirmos os destinos do país ao parlamento, seriamos governados por esse Congresso que está aí, que elegeu Eduardo Cunha, que tem cerca de 300 a 400 personagens respondendo a processos, e que é controlado pelo poder econômico”.
Para o cientista político do Diap, Antônio Augusto de Queiroz, a estratégia do PSDB é puro oportunismo: “Por que eles não levantam esse tema por ocasião das campanhas eleitorais, assumindo que são parlamentaristas quando disputam as eleições?” Para ele, querem é “arrumar uma saída e, concluído o mandato de Temer, garantir o poder de qualquer jeito lá na frente”.
Em 2015, no início do governo de Dilma Rousseff, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tentou articular uma PEC com o objetivo de instituir o parlamentarismo, visando enfraquecer o governo, embora nunca tenha explicitado que tipo de parlamentarismo pretendia e afirmava que iria colocar a proposta em votação antes de fevereiro de 2017, quando seu mandato como presidente da Câmara chegaria ao final. Mas quem chegou ao final foi seu mandato, sendo preso e condenado por variados crimes, como corrupção passiva, ativa, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha etc.
O fato é que, ao longo da história do Brasil, da Colônia à República presidencialista um aspecto se mantém inalterado: o poder pessoal. No Império, uma Monarquia Constitucional, na qual o imperador governava e administrava. A Constituição de 1824 tinha entre seus dispositivos a divisão de poderes, mas foi criado o chamado Poder Moderador, que na prática se colocava acima dos três poderes.
A República, proclamada em 1889, seguindo (e imitando) o exemplo dos Estados Unidos, adotou o presidencialismo e continuou a ser de um poder pessoal, no qual Presidente era inicialmente (afora os dois primeiros presidentes militares) o representante (e integrante) das oligarquias, com base coronelística, que se constituíam a partir dos Estados, que caracterizou a chamada Primeira República (1889-1930). Mas o fato é que mesmo depois da Revolução de 1930, o princípio da divisão de poderes na prática não existia, com a hipertrofia do Executivo (e não apenas durante as ditaduras, como do Estado Novo (1937-1945) e militar (1964-1985) e nesse sentido, as tentativas de parlamentarismo não prosperaram. Só foi adotado em 1961 no bojo de uma crise política. Foram apenas 17 meses durante a presidência de João Goulart (1961-1964) e sua implantação foi em função do veto dos militares depois da renúncia de Janio Quadros (25/08/1961) e teve o objetivo de não permitir a posse do Goulart como presidente e, na impossibilidade, enfraquecê-lo, com a adoção do parlamentarismo, como de fato ocorreu. O primeiro ministro Tancredo Neves (primeiro dos três primeiros-ministros), sempre foi um defensor do presidencialismo. No entanto, em janeiro de 1963, o sistema foi revogado após um plebiscito. O debate voltou após a redemocratização em 1986, mas a Constituinte de 1988 rejeitou a proposta. Em 1993, nova tentativa de mudar a forma de governo através de um plebiscito e mais uma vez o presidencialismo foi vitorioso, com larga margem de vantagem.
E agora alguns pretendem instituir o parlamentarismo. É fato que hoje há no país o esgotamento desse sistema chamado de “presidencialismo de coalizão”, um ajuntamento de siglas para dar sustentação política ao governo, à base de trocas (de favores, cargos, dinheiro etc.) e com uma população impotente frente aos desmandos do Executivo e Legislativo. Nesse sentido o parlamentarismo poderia, em princípio, ser uma alternativa, no qual crise como a que o país atravessa poderia ser resolvida mais facilmente com uma rápida demissão do governo com o “voto de confiança” que nos sistemas parlamentares de governo decide se o chefe de governo continua ou não a merecer a confiança para governar, expresso pela manifestação dos representantes do povo no Parlamento.
No entanto, seria esse o momento? Como esse Congresso? Como instituir um parlamentarismo com um congresso desmoralizado, com centenas de parlamentares respondendo a processos, réus em inquéritos e ações penais junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), com uma alta fragmentação partidária, com partidos inexpressivos do ponto de vista social e político, grande parte legendas de aluguel, que tem donos, e sem qualquer consistência programática (programas são meras formalidades junto à Justiça Eleitoral para registro dos partidos) e muito menos ideológica? Uma eventual implantação do parlamentarismo deve, necessariamente ser precedida de esclarecimentos junto à população (há várias formas de parlamentarismo) e talvez, em princípio, pode significar uma derrota para o que há de mais arcaico e antidemocrático na política brasileira, mas não neste momento e muito menos com esse Congresso.