Estudante egressa do curso de Rádio e TV da UFRN, a jornalista Andrea Meireles, natural da zona rural da cidade de Currais Novos, mora nos Estados Unidos desde 2012. Na última segunda-feira (17), teve um encontro com Dilma Rousseff na Universidade de Howard. O abraço a inspirou a escrever um texto que conta um pouco de sua história e do povoado onde viveu. O relato de quem viu do perto o avanço do Nordeste no período do governo petista foi postado no Medium e viralizou. Leia o texto na íntegra:
Para entender a essência do encontro que descrevo é preciso se desprender dos preconceitos, deixar as convicções de lado por alguns minutos. Não exijo alta complexidade cognitiva nem nada, só um pouquinho de sensibilidade para ir além dessas linhas e captar a nuance dessa foto. Caso contrário aconselho nem seguir adiante, já que o seu comentário muito possivelmente nos deixará, a nós dois, desconfortáveis e emburrados. Evitemos futuros problemas e a manutenção da amizade, aos demais, tentarei ser fiel à representação desse momento.
A presidenta, e assim a apresento porque se não o é de fato é de direito, esteve em Washington, D.C., na universidade de Howard, ontem (17/04), dando continuidade a uma série de palestras em universidades estadunidenses, em que fala sobre os desafios para a manutenção da democracia e o golpe parlamentar no Brasil. Me certifiquei de que estaria livre para atender ao evento e, com sorte, agradecê-la à distância.
Eu nasci em 1984, no interior do Rio Grande do Norte, na cidade de Currais Novos, região do semiárido brasileiro. Me criei na zona rural, num sítio chamado Povoado da Cruz, onde ainda hoje residem o meu pai e grande parte da minha família. Quando aí vivia nos idos dos anos 90, a instabilidade econômica e a hiperinfalção massacravam o país. O Nordeste era terra de ninguém, castigado pela seca e pelo descaso político. A situação era tão grave que existia um negócio chamado “indústria da seca”. A estrada era de terra e eu ia pra escola de pau de arara, todo santo dia. Eu era afortunada, tinha uma bolsa escolar e me foi garantida educação na rede privada, ao contrário das outras crianças cuja maior motivação para frequentar a escola pública, depois de uma manhã de trabalho no roçado, era um prato de cuscuz servido na merenda.
Quando conto essa história hoje em dia a reação é de graça e a viagem para quem não a viveu soa bastante divertida. Acreditem, uma hora sacolejando entre silos de feijão, bodes e bêbados, diariamente, é qualquer coisa menos divertido. No retorno, encontrava a casa cheia de gente sentada por todos os cantos do chão de cimento, era a hora da novela das seis e, como em terra de cego quem tem um olho é rei, realeza nós éramos. Nessa caso o olho era a televisão a cores estrategicamente localizada no canto da parede, que era pra caber mais gente. A gente era tão rico que comia carne todos os dias, vejam bem, não era em todas as refeições mas comer carne todo dia era coisa de gente muito abastada.
Conto isso na tentativa de fazê-los entender a minha necessidade de agradecer à presidenta Dilma. Durante o governo do PT o Nordeste cresceu mais que a média nacional, 4,1% ao ano enquanto o resto do país cresceu 3,3% durante os anos de 2003 e 2013. Quando o presidente Lula assumiu em 2002 mais de 21 milhões de nordestinos viviam em situação de pobreza extrema, segundo dados da Fundação Perseu Abramo esse número caiu para 9,6 milhões em 2012. São quase 12 milhões de nordestinos tendo acesso à necessidades básicas. Muita gente tem dificuldade em entender o que isso representa porque desconhece essa realidade. Necessidade básica é acesso à água, essa que sai aquecida da torneira do seu apartamento de classe média; é comer carne todos os dias (isso é uma metáfora, aos desavisados); é acesso à moradia e educação, proporcionadas pelo “Bolsa Família” e condenadas pelos defensores da meritocracia. O programa “Água pra todos” impactou mais de quatro milhões de pessoas, com a criação de mais de 750 mil cisternas para coleta de água da chuva na região do semiárido.
Foi uma cisterna dessas que me permitiu tirar essa foto com Dilma. Ao fim da palestra, acompanhada de uma amiga também jornalista, conseguimos entrar na recepção para convidados. Uma fila se formava para os que queriam registros. Dilma abraça a minha amiga e com semblante impaciente me chama para tirarmos a fotos juntas a fim de acelerar aquele processo, ao qual já parece bem familiarizada. Nesse momento, sotaque afiado eu respondo: “_De jeito nenhum, eu quero uma foto sozinha que é pra pendurar na cisterna de painho!” Pronto, a barreira foi quebrada. Ela gargalhou e concordou que eu merecia a minha foto sozinha. Ainda desconfiada me perguntou se era verdade e onde estava a cisterna de painho. Respondi que sim, que estava lá na Cruz, como se, assim como eu, ela conhecesse bem aquele pedaço de chão. O abraço foi ela quem me deu. Um abraço afetuoso, de gente que conhece os abraços e sabe bem a hora em que um se faz necessário. Daí em diante apenas agradeci, gostaria de ter lhe dado um cheiro no olho, que é como se demonstra carinho no Nordeste, mas me contive.
Por sua história de luta, pelo combate diário à misoginia, pelas injustiças que sofreu, pela mulher que é eu lhe devia um abraço. Ainda devo. Noutra oportunidade quem sabe lhe darei um cheiro no olho, por enquanto eu só consigo perceber a força que há nessa foto.
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