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A terceirização e a maldição da precarização do trabalho

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Por Ana Patrícia Dias Sales (Profa. do Departamento de Ciências Sociais-UFRN)

No dia 22 de março de 2017, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4302, que trata da terceirização. Esse projeto que se originou no ano de 1998 sob a gestão de Fernando Henrique Cardoso, foi desengavetado, aprovado em regime de urgência e sancionado pelo interino Michel Temer em 31 de março do ano corrente.

Naquele momento de Reformas do Estado e Administrativa, o governo de Cardoso, ao admitir a tese do Estado mínimo, impulsionou a flexibilização dos contratos de trabalho por meio da Lei do Trabalho Temporário, cujo desdobramento foi a descentralização da cadeia produtiva em seus diversos aspectos e a institucionalização da terceirização, sobretudo das atividades classificadas como as menos estratégicas de uma empresa, ou seja, as atividades-meio, a exemplo de trabalhos como os de vigilância, de transporte, de jardinagem, de telefonia, entre outros.

Na atualidade, o consentimento dos 231 parlamentares, que votaram a favor do projeto de terceirização ampla, geral e irrestrita, seguida da sanção do governo interino, com alcance nas denominadas atividades-fim, se constitui não somente na maior derrota da classe trabalhadora desde 1964, como também pode significar o prenúncio do fim da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que é a legislação responsável pela regulamentação das leis referentes ao Direito do Trabalho.

A rigor, a terceirização se traduz em uma estratégia de flexibilização decorrente de um conjunto de medidas destinadas a responder às demandas da base material da sociedade brasileira, sob alegação de que a sua prática irrestrita forjará, sobretudo, aumento na oferta de empregos, segundo seus defensores, devido às facilidades de contratação da força de trabalho, assim como a melhora no desempenho da economia, no momento em que o país registra, conforme dados da Pesquisa Nacional de Amostra à Domicílio (2016), a existência de mais de doze milhões de cidadãos desempregados.

Trata-se, no entanto, de um processo de descentralização das empresas por meio da externalização das atividades que pode assumir distintas formas de contratos de trabalho, a exemplo do domiciliar, dos serviços prestados por terceiros e dos fornecedores de peças e componentes, inclusive, passível de se estender para o que Druck (1999) denomina de quarteirização. Na ocasião, a terceirização é objeto central do pacote de “modernização” e reforma trabalhista, em curso, defendido pelo governo interino e a sua equipe econômica. Paradoxalmente, é uma verdadeira ofensiva à classe trabalhadora.

Logo, esse modelo de gestão do trabalho tende a impor mudanças bruscas nos modelos de contratações, no mercado de trabalho e na qualidade do emprego. Como consequência, se institui a precarização do trabalho, a ampliação do subemprego, a incerteza do emprego, a instabilidade dos rendimentos e a vulnerabilidade social do trabalhador.

No que diz respeito às contratações, o fenômeno terceirizante substitui o contrato de trabalho por tempo indeterminado pelos contratos de trabalho por tempo determinado e temporário, de modo que, concomitantemente, poderá transformar, definitivamente, o trabalhador central em trabalhador periférico. Dessa forma, as novas contratações se distanciarão daquele modelo clássico de contratação, tendendo a romper com o princípio da continuidade do emprego. Trata-se de uma alteração que fratura a ideia celetista de um padrão de trabalho a longo prazo, ao permitir a flexibilização ampliada das formas das contratações.

Essa tendência, portanto, à terceirização e, consequentemente, à inserção do vendedor da força de trabalho no mercado de trabalho por meio dos contratos indiretos, é relevante para se reconhecer não somente o rebaixamento das ocupações e da qualidade deles, mas também a precarização das condições e relações de emprego, bem como a insegurança econômica da vida do trabalhador, que se acentuará significativamente de agora em diante.

É bem sabido que os contratos de trabalho não se darão mais diretamente entre trabalhadores e empresas, mas entre a tomadora de serviços e o prestador de serviços. Essa processualidade aborta do vendedor da força de trabalho qualquer possibilidade de relação de pertencimento e identidade com a empresa contratante, ao mesmo tempo em que possibilita aprofundar e reproduzir o antagonismo inconciliável entre capital e trabalho. Certamente, a terceirização não trará melhorias para o trabalhador, que ficará mais fragilizado diante da instabilidade do emprego, da queda salarial e da perda de direitos sociais. No entanto, tal situação não se dilata para o  empresariado.

Na verdade, a adoção do recurso da terceirização culmina em uma série de vantagens para o empresariado, a exemplo da redução de custos em capital variável (ou dos salários pagos), aumentando assim a margem de lucro, maior facilidade para demitir, transferências dos riscos e maior controle sobre o trabalhador, reduzindo, inclusive, potenciais enfrentamentos do trabalho contra o capital.

Assim, há de se convir que a terceirização, em momentos de crises, pode funcionar como amortecedora, para o capital, da baixa atividade econômica, fazendo recair os efeitos dessas flutuações sobre a força de trabalho. Entretanto, é igualmente verdadeiro que ela também concorre para aumentar o fosso de contradições que são subjacentes à relação capital e trabalho.

No geral, o uso indiscriminado da terceirização para todos os setores da economia provocará a desestabilização dos estáveis, a insegurança no emprego e o crescimento de uma massa de trabalhadores do tipo flexível e precário. Os trabalhadores oscilarão entre períodos de emprego e desemprego, pois não conseguirão construir uma trajetória progressiva e contínua, referenciada pelo pertencimento a uma empresa, porque assumirão a condição de interinos e eternos prestadores de serviços contratados por um tempo determinado.

Dito isto, a terceirização, antes de significar um processo em que capital e trabalho serão beneficiados, conforme defendem o empresariado e o governo, conflui para a exclusão de uma massa de trabalhadores do gozo de seus direitos e para o agravamento social de suas condições. Essa disposição potencializará ainda mais a pobreza desses trabalhadores levando-os aquilo que Robert Castel (1998) denominou de enfraquecimento da condição-salarial, um dos mais visíveis reflexos da crise do emprego estável.

Desta forma, com a aprovação da lei da terceirização, indubitavelmente, o Brasil dá um largo passo para criar uma casta de trabalhadores. Atente-se que, no país, segundo pesquisa desenvolvida pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2016), os terceirizados já representam aproximadamente 13 milhões de trabalhadores e, ao contrário dos trabalhadores efetivos de uma empresa, eles são os mais atingidos pela rotatividade do emprego. Aqui, ainda se chama a atenção para o alto índice de acidentes de trabalho que envolve os trabalhadores terceirizados e para a propensão à ampliação do trabalho análogo à escravidão, que a utilização da terceirização possibilita. Logo, não é essa a configuração do trabalho que a classe trabalhadora almeja e tampouco necessita. Não sem razão, à classe trabalhadora resta apenas a reinvenção das suas formas de luta para o enfrentamento da mais nova investida do capital contra os seus direitos ou como dizia o poeta, “nada a temer senão o correr da luta”.