Um curioso fenômeno comportamental tem se exacerbado na contemporaneidade, graças ao advento das redes sociais, a excessiva exibição de cenas da vida privada. Fenômeno este que nos fornece elementos para uma importante reflexão sobre os processos identitários dos dias atuais.
Não é difícil perceber, ao fazermos um rápido exame nas redes sociais, o quanto que a necessidade de aplauso e visibilidade são elementos que dão sustentação a violenta inserção de imagens da própria intimidade para uma plateia no mundo virtual, que deve emitir opinião elogiosa para que assim o indivíduo (ILUSORIAMENTE) sinta-se seguro e com uma sensação de preenchimento.
Podemos observar uma exacerbação da necessidade dos indivíduos do olhar do outro para se constituírem. Mas, não o olhar crítico e próximo do real e sim elogios em torno do que estes indivíduos apenas aparentam ser, “sabendo” que a representação da realidade vale mais do que a própria realidade em dias de exaltação de exibicionismo nas redes sociais.
A tentação do exibicionismo e a exagerada busca de aplauso nas redes sociais apenas escancaram o que sempre foi evidente: a fragilidade interna dos sujeitos da cultura de massas. Essa fragilidade é determinante na relação que estes sujeitos vão estabelecer com elementos culturais e subjetivos que estão no ao redor da sociedade que estão inseridos.
Os vícios da pós-modernidade como exibicionismo e voyeurismo se retroalimentam permanentemente, pois existem aqueles que expõem á todo momento cenas da vida pessoal como um espetáculo e outros desejam vorazmente observar a vida alheia, para projetar no outro suas inquietações inconscientes. Importante observar as motivações que constroem a audiência dos realitys shows e a curiosidade pela vida alheia, cada vez mais comum nas programações de entretenimento de massa.
Uma das grandes dificuldades do sujeito contemporâneo é o lidar com seus medos, carências, solidão e conflitos internos, que acabam por fomentar um processo identitário sem consistência e repleto de vulnerabilidades. Esta pobreza identitária faz com estes sujeitos (de parca capacidade crítica) e fiquem permanentemente vulneráveis ao mundo “encantado” das redes sociais, ao exporem futilmente a vida pessoal e seus atributos devidamente arquitetados e maquiados para serem aceitos e recebem aplausos.
As poses elegantes e sensuais, os cenários chiques e a realidade devidamente maquiada apresentadas nas redes sociais revelam indivíduos com imensa necessidade de serem vistos e reconhecidos e que viram nas exposições exageradas a oportunidade de projetarem sua carências internas, que sempre foram precariamente gerenciadas. Exemplo muito comum é quando encontramos sujeitos que nas redes sociais são extrovertidos, sofisticados e brilhantes, mas que na vida real são embotados afetivamente e miseráveis em suas condições interpessoais.
Para os embotados afetivos e frágeis psiquicamente as redes sociais proporcionam uma fabulosa ferramenta para suas conquistas narcísicas: a onipotência. As ferramentas tecnológicas contemporâneas proporcionam ao sujeito maquiar sua realidade social e estética do modo que lhe convém, ou seja, o mesmo pode “ajeitar” a foto e modelar seu corpo e deixá-lo em “excelentes condições” para receber os aplausos que tanto deseja para sentir-se preenchido e aceito pelos tribunais estéticos.
O outro nas redes sociais não é um outro necessário para uma interação de afetos concretamente humanos. O exibicionista necessita de seus “amigos” do facebook para utilizá-los como apenas como produtores de aplausos e plateia de seus feitos narcísicos.
O exacerbado exibicionismo nas redes sociais revela o centro do mal-estar do sujeito contemporâneo: a insatisfação com sua aparência. As poses mais comuns revelam uma necessidade doentia de sujeitos comuns de se adaptaram ao padrão difundido pela mídia (corpo sarado, magro e branco) como das “celebridades” das capas de revistas.
Os diálogos produzidos entre os próprios sujeitos exibicionistas giram em torno da aprovação das aparências. Fenômeno que nos traz um poderoso indício: quanto mais exagerado é o investimento nas aparências, maior é a possibilidade e urgência das carências internas e fragilidade psíquica.
A vida fantasiosa das redes sociais dá sustentação à esta fragilidade psíquica dos sujeitos exibicionistas, que rejeitam violentamente a vida real e suas implicações internas diante de embates comuns do cotidiano (tristeza, luto, perda, desafios, etc). Por este motivo alguns são absolutamente dependentes e passam muitas horas acessando e “vivendo” a sua vida maquiada e artificial.
Exibir para existir!! Parece ser esta uma marca da contemporaneidade fomentada pelas redes sociais. Os sujeitos comuns vão internalizando (sem posicionamento crítico) que a imagem deve ser preponderante diante da integridade, aprende que não se deve ser de fato, mas simplesmente APARENTAR ser.
A indústria midiática estimula todos os dias a fantasia dos sujeitos comuns em tentarem ser permanentemente jovens e bonitos. Com base num padrão estético inatingível para a esmagadora maioria, que sofre e adoece por nunca atingir. É bastante comum que muitas mulheres, por conta da baixa autoestima e fragilidade psíquica, reflitam: “Se eu não tenho o rosto e o corpo de Carolina Dieckmann não sou gente!!”
Assim como o excesso de exibicionismo nas redes sociais, a quantidade cirurgias plásticas realizadas parecem também ser reflexo deste fenômeno, tendo o desejo de alterar suas próprias feições para serem desejados, aprovados e bem aceitos pela atmosfera intolerante que privilegia os atributos externos dos sujeitos sociais.
As doenças psíquicas, os colapsos, as compulsões e as depressões tão comuns em nossa sociedade revelam a tamanha dificuldade dos sujeitos contemporâneos em sustentarem-se internamente. Contexto patológico que é fomentado pela ignorância sobre as próprias emoções e indigência afetiva de suas histórias de vida.
É impossível estabelecermos reflexão deste tema sem associarmos ao adoecimento mais comum na contemporaneidade: a depressão resultante do sentimento de derrota. A psicanalista Maria Rita Kehl nos auxilia:
“Não é de estranhar que a depressão seja o sintoma predominante do sofrimento psíquico no final do século XX e início do XXI. O homem contemporâneo quer ser despojado não apenas da angústia de viver, mas também da responsabilidade de arcar com ela; quer delegar à competência médica e às intervenções químicas a questão fundamental dos destinos das pulsões: quer, enfim, eliminar a inquietação que o habita em vez de indagar seu sentido. Mas não percebe que é por isso mesmo que a vida lhe parece cada vez mais vazia, mais insignificante”.
O excesso de exibicionismo e a exposição banal da intimidade nas redes sociais parecem um poderoso sintoma do desamparo e da miséria de recursos internos. Cabe aos sujeitos terem a capacidade de questionar suas inquietações e fragilidades, consequentemente ter discernimento claro sobre o que é senso preservação e o que é vida pública na sua relação com a sociedade da qual está inserido.