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Com cheiro de fascismo

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É de extrema validade a construção de reflexões acerca do pensamento e comportamento de uma parcela da população brasileira que tem expressado com mais contundência seus valores e ideais sociais de cunho autoritário e fascista. No atual contexto sente-se segura com a presença de um “representante”, que garante respaldo e potência para suas ideias, que antes estavam insatisfatoriamente investidas na política partidária da direita tradicional.

As expressões de cunho fascista ficaram mais vorazes por conta da expansão das redes sociais, que em qualquer instante qualquer indivíduo pode escrever qualquer coisa que lhe convêm. Mas o que nos interessa apontar é exatamente o teor destes discursos: baixa capacidade civilizatória e a imensa dificuldade de lidar com as diferenças e diversidade de pensamento.

Este “representante”, um famigerado deputado federal, vocifera em seus discursos intolerantes e autoritários (clara referência à métodos violentos e medievais) todo tipo de violência ao processo civilizatório: machismo, homofobia, racismo e apreço extremo por uma sociedade militarizada e de práticas fascistas. Mas a grande questão é que o discurso do mesmo representa o pensamento de número significativo da população brasileira, que tanto anseia por um “salvador” que acabe com os males sociais e comportamentais que assolam o país.

Os discursos deste “representante” obtêm êxito extremo ao atingir uma camada revoltada da população que é caracterizada pela ausência senso crítico, pouca capacidade de discernimento, analfabetismo político e escandaloso despreparo intelectual. Como resultado da violência simbólica, aderem “slogans”, sem reflexão e internalizam ideias sem condições de avaliação crítica de seus conteúdos.

Os discursos que oferecem fórmulas mágicas, imediatistas e extremadas para problemas da sociedade brasileira, que são complexos e estruturais, causam encanto em indivíduos de todas as camadas sociais da sociedade brasileira. Inclusive aqueles “cultos” e “escolarizados”, que mesmo passando por “boas” escolas aderem discursos de baixo teor civilizatório e reflexões com pouca racionalidade.

Por exemplo, podemos encontrar nas redes sociais, aberrações extremamente curiosas como universitários (estudantes de Direito!!!) promovendo discursos raivosos contra nordestinos e pobres (“mate um nordestino todo dia!” era um dos slogans). Com direito à postagem de textos explicativos fomentados por forte convicção, que parte de seus lugares sociais e subjetivos. Lugares estes que são produtores de olhares e condutas, que, por conta da emotividade parcial, não conseguem enxergar e refletir.

As redes sociais não “acrescentam”, apenas escancaram o que a sociedade brasileira sempre foi: intolerante, autoritária e excludente. O brasileiro comum que se manifesta nas redes sociais, tem seu instante de onipotência escrevendo suas opiniões (raivosas e simplistas) de baixo teor reflexivo e civilizatório, pobre em fundamentação sobre os temas polêmicos que julga ser conhecedor e solucionador.

O teor destes discursos (de cunho fascista), cada vez mais comuns, nos revela o que há de extremamente escandaloso e preocupante na sociedade brasileira: aberrante analfabetismo político, miséria intelectual e aleijamento social de número significativo dos que compõe a mesma. Os poderosos disfarces e imponentes máscaras camuflam com perfeição: gente “culta” e elegante que está protestando contra corrupção e contra o “comunismo” e a favor de ditadura militar, paladina da “democracia” e do desenvolvimento.

imagesUm dos motivos dos discursos fascistas terem tornado mais vorazes é que nos últimos anos lugares e territórios sociais e subjetivos estão sendo radicalmente questionados e modificados. Lugares estes que eram considerados como “naturais”, fomentados e cristalizados por valores “científicos” e religiosos. Cristalizados por séculos pela tradição e os costumes de uma sociedade de origem autoritária, escravocrata e patriarcal.

Estes “lugares” e territórios sociais e subjetivos (branco, heterossexual e rico) construídos por sistema gerador de exclusão e desigualdade foram cristalizados pela repetição de estereótipos imagéticos e discursivos. Tratados pelo senso comum como naturais.  Sem marcas temporais, significados, contextos, representações em suas localizações.

São espaços naturalizados que podem ser desconstruídos por que se originam de questões políticas e culturais de dados momentos históricos. Não são intrínsecos à “natureza” humana ou da “vontade de Deus”. É possível desconstruí-los através de questionamentos dos próprios sujeitos sociais que compõe a interatividade dinâmica dos agrupamentos coletivos.

Até mesmo a discussão sobre estes “lugares” e territórios tem causado grande incômodo e temor. O medo de que as verdades “absolutas” e pétreas sejam questionadas e desconstruídas causaram uma curiosa reação: a elaboração do projeto ‘Escola sem partido’. A promoção de reflexão e debate tem sido apontada pelo mesmo como doutrinação ideológica.

Projeto fomentado por uma das facetas do analfabetismo político, que é a falta de condição de perceber que em qualquer saber veiculado (política, religião, meios de comunicação, educação, etc.) existe teor político, ideológico e cultural. Mas neste momento estão reconhecendo ideologia apenas num tipo de governo e num tipo de corrente política.

Discutir a violenta concentração de renda e as desigualdades históricas de nosso país pode ser considerado como doutrinação ideológica. Existem posicionamentos distintos diante desta questão de inevitável teor ideológico: uns vão argumentar que as mesmas existem por conta da reprodução de um sistema gerador de desigualdades e outros vão dizer que a miséria e desigualdade são fatalidades, que não existe influência de sistema algum na produção de pobreza e riqueza em nosso país, apenas a índole dos indivíduos (dicotomicamente apontados como bons/maus e competentes/incompetentes).

Os lugares e territórios subjetivos aos quais nos referimos e que são motivo reações fascistas: a mulher, o negro, o homossexual e o pobre. Estes que tem um lugar social cristalizado pela tradição e pela “natureza” estão rompendo com os “bons costumes” ao se revelarem como sujeitos sociais que não correspondem mais à subalternidade e exigem o pleno direito à cidadania.

A sedução e a persuasão causadas pelos discursos fascistas do famigerado deputado federal nos faz lembrar a adesão do operariado alemão às ideias nazistas durante a ascensão de Adolf Hitler. Naquele contexto, repleto de particularidades, existia um imenso desejo de um “Führer” que eliminasse todas as mazelas e aniquilasse os “verdadeiros” culpados pela crise que Alemanha passava.

O cenário parece propício para adesão crescente ao discurso fascista. Com uma população despotencializada politicamente, que não consegue dar teores racionais a sua justificada revolta com os gestores públicos. Resta a mesma a adesão sem reflexão, entusiasmo e frenesi causados pelos slogans “geniais” de tal deputado extremista, que como um autêntico “salvador” promete soluções rápidas, “fáceis” e imediatas para problemas sociais crônicos e complexos.