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A derrocada do PT nas urnas de 2016

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Conforme os primeiros resultados pelo TSE, de um quadro de 641 prefeituras conquistadas em 2012, o PT termina o primeiro turno com apenas 256 prefeituras. Se desde em 2004, o PT vivenciava um crescimento eleitoral, 2016 confirma a seu derretimento como principal força política de esquerda no Brasil.
Em Natal, apesar da máquina partidária e de sua militância, o PT amargou um terceiro lugar na campanha para a prefeitura municipal e só foi capaz de eleger dois vereadores. Para um partido cujos membros e militantes distribuíam autoconfiança nas redes sociais, afirmando que a presença de Lula e a narrativa do “Fora Temer” em Natal resultaria em vitória inquestionável, ao final da campanha, precisou se contentar com a certeza de que vive momentos difíceis de legitimidade pública. Talvez os petistas não contassem com o fato de que as eleitoras e eleitores não sentissem sinceridade com as ações e narrativas do partido dos “trabalhadores”. Afinal, o mesmo partido que se dizia defensor das causas progressistas, demonstrou inúmeras situações públicas de recuo e hesitação diante de pautas mais diretamente ligadas aos direitos humanos, direitos da população LGBT e das populações indígenas. Não por acaso, medalhões da antropologia brasileira chegaram a denunciar a cumplicidade tácita do governo petista para com o etnocídio das comunidades indígenas do país. E o que dizer da eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara Federal? Eleito com a articulação pessoal de Lula e engajamento do PT. Para um partido que pede que não apoiem “golpistas”, soa estranho o fato de ter sido o partido político que mais formou coligação com o PMDB durante as eleições municipais de 2016. Não somente os eleitores e eleitoras não aceitam mais a frouxidão moral do PT, mas cresce também no meio intelectual e nos movimentos sociais o sentimento de que qualquer perspectiva de renovação do campo progressista da disputa passa pela superação do lulismo e do PT. São muitos os intelectuais de esquerda que se afastaram após expressarem o descontentamento diante dos descaminhos do partidos dos trabalhadores , a exemplo de Luis Eduardo Soares, Célio Turino, Frei Betto, Franscisco de Oliveira e Eduardo Viveiros de Castro. Diante das críticas dos intelectuais, restou ao PT acusar seus antigos colaboradores de “ressentidos”, a palavra mágica preferida dos petistas que não sabem administrar as críticas de esquerda.

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A estrela trincada de Lula
Apesar de Lula ter circulado o país e, principalmente, as capitais do nordeste brasileiro, o resultado pífio nas eleições municipais não deixa dúvidas sobre a incapacidade de influência decisiva do ex-presidente nas disputas eleitorais locais. Pior, Lula foi incapaz de eleger seu próprio filho e assistiu a uma derrota histórica na localidade a qual era considerado imbatível, qual seja, a região do ABC paulista. Além disso, Haddad, seu “apadrinhado” favorito não conseguiu sequer disputar o segundo turno com João Dória Jr, candidato pelo PSDB. E ainda que se possa destacar qualidades em Haddad, é fato que este não é bem avaliado pela população mais periférica de São Paulo. Embora ainda sejam necessárias pesquisas aprofundadas, não se pode ignorar a força do imaginário da cidadania pela via do consumo propagada pelo próprio Lula como, paradoxalmente, um fator causal importante que ajuda a entender a derrota de Haddad. Ao invés de defender a imagem do “cidadão que também é consumidor”, Lula jogou fortemente com a imagem do “consumidor que se torna cidadão NO consumo”, o que reforça o uso de esquemas de percepção e avaliação individualistas do mundo. Com efeito, Haddad com sua narrativa “comunitarista” da “Cidade para as pessoas”, não conseguiu acessar os “filhos” paulistas do lulismo que aspiram a autorrealização pessoal pelo consumo individual. Em parte também, Haddad encontrou dificuldades de disseminar a narrativa da “Cidade para as pessoas”, uma vez que privilegiou a construção de ciclovias em áreas localizadas em bairros de classe média e classe média alta.
Não bastasse o seu fiasco como cabo eleitoral do PT nas capitais, Lula tem se mostrado um desastre na esfera pública nacional. Ao invés de se posicionar sobre temas de interesse nacional, a exemplo da reforma curricular no ensino médio, das propostas de reforma trabalhista e da previdência, Lula aparece na esfera pública apenas para atacar órgãos do judiciário brasileiro ou para denunciar um complô das “elites” contra ele. Ainda que possamos concordar com os excessos e seletividade do judiciário no tratamento com o PT, é fato também que a cúpula do partido dos trabalhadores contribuiu para tanto, seja pelos problemas com corrupção, seja também pela capacidade que tem de colecionar frustrações coletivas na política brasileira. E objetivamente, o que pensa Lula sobre a educação básica brasileira? Sobre os projetos de flexibilização das leis trabalhistas? Sobre a previdência pública no país? Quais são as suas propostas de solução da crise econômica brasileira? Para alguém que já foi presidente da república e deseja retornar ao governo federal em 2018, no mínimo se espera um engajamento mais qualificado no debate público nacional.

A canibalização e desencantamento do PT em Natal
Em tempos de vacas magras, quando os recursos tornam-se escassos para a condução de campanhas políticas, segmentos do PT local resolvem importar a prática já conhecida dos petistas de São Paulo e entram numa disputa fratricida entre pares pelas mesmas bases sociais. Aqui, Natalia Bonavides disputou as mesmas bases de Hugo Manso e Divaneide Basílio. O caso particular de Hugo Manso é mais emblemático, pois se tratava de um vereador que disputava a sua reeleição e que, em tese, não encontraria muitas dificuldades de apoio de suas bases tradicionais. Mas não foi o que ocorreu concretamente. Hugo Manso não somente não foi reeleito como assistiu parte de sua base de eleitores e eleitoras imigrarem para uma candidata bem menos conhecida, no caso, Natalia Bonavides. Sobre isso, alguns dizem que foi “incompetência” de Hugo Manso, outros dizem que foi “trabalho profissional”.

Concretamente, o PT não foi capaz de eleger três nomes de bases autenticamente populares – a exemplo de Divaneide Basílio, Rodrigo Bico e Hugo Manso – e se contenta em comemorar a composição mais elitista na história da representação política do partido na Câmara Municipal de Natal. O sucesso eleitoral de Bonavides, evidentemente, também se traduziu em mal-estar interno no partido dos trabalhadores.
Não obstante, na falta de reflexão sobre seus erros, o PT nomeia exclusivamente sempre os “outros” como culpados dos seus fracassos. Para muitos petistas, o Psol é o mais novo bode expiatório do desastre eleitoral petista junto ao eleitorado de esquerda. Embora seja verdade a fragmentação dos votos de esquerda, na cabeça delirante de muitos petistas, é o Psol que tem roubado votos de seu eleitorado de esquerda, e não o fato de que parte significativa do eleitorado de esquerda simplesmente se “desencantou” e se afastou do PT. Finalmente, as eleições de 2016 parecem demonstrar que não é a esquerda que está em crise, mas a sua principal representação no sistema político partidário, qual seja, o partido dos trabalhadores. Na falta de alternativas viáveis aos olhos do eleitorado brasileiro, os partidos mais conservadores acabaram se beneficiando. Embora o Psol tenha tido seu melhor desempenho nas campanhas eleitorais de 2016, ainda transmite desconfiança da parcela mais liberal e moderada do eleitorado de esquerda. Um segmento de esquerda que se identifica com a democracia constitucional e liberal, que deseja avanços progressistas em matéria de igualdades, mas que não abre mão da liberdade de construção de sua identidade. Esse segmento que já apoiou o PT no passado ainda aguarda uma representação política de esquerda que compreenda adequadamente seus ideais de boa vida. Na falta dessa alternativa, são os partidos mais conservadores que ocupam progressivamente os espaços institucionais.

As razões práticas do eleitorado

Ao invés de entrar na velha discussão sobre a imagem do eleitorado como alguém que age de modo “ignorante” ou como alguém que age calculando racionalmente suas escolhas e preferências políticas, parece mais razoável deixar a explicação em aberto e considerá-la sempre como parcial para a totalidade do eleitorado. Eleitoras e eleitores fazem boas e más escolhas a partir do horizonte de possibilidades e das informações disponíveis. E o horizonte de possibilidades e de informações envolve sempre uma equação sociológica entre práticas, instituições e valores