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O que eu queria mesmo

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14192709_1134973896549610_8780081077451335290_nEra entender bem e mais de política, de economia, de direitos, de história, e poder fazer uma crônica assim, sucinta e inteligente sobre isso, sobre eles, sobre nossos últimos dias, nossa história de agora e daqui em diante. Queria conseguir entender tanta sigla, tanto roubo, tanto dinheiro meu e teu na mão dos outros, nunca na nossa mão, nunca no hospital público nem na escola nem no ponto de ônibus.

Sempre que começo a tentar, paro de começar e de tentar logo nos primeiros dias. Sinto que preciso me dedicar só a isso pra seguir em frente e pra saber mais. Não consigo enxergar dois lados coerentes nesse momento de agora, só consigo enxergar manobra e interpretação de texto feita por conveniência: mas a democracia, do jeito que ela é, autoriza a fazer o que está sendo feito, por isso não é golpe, você me entende?, é legítimo, mesmo que você não concorde.

Eu fico pensando em subjetividades máximas que não deveriam entrar em discussão na pauta política, mas essa é a pessoa que não entende de política: a que se coloca no lugar do outro e relativiza tudo. E tenta: você não percebe a covardia? Você não consegue imaginar que se…

Não tem “se”. Aí eu não posso seguir na ideia.

Tentei entabular que ninguém ali se elegeu pra fazer política pra um país, mas pra ficar rico e poderoso, e que por isso não está certo. Que nos 0,5% de política que eu entendo, um país estando ruim teria de ser ajudado, reerguido em conjunto: estão todos ali pra isso, certo? Por isso o voto. Por isso o voto!

Você tem razão, mas essa é outra discussão, compreende?

Nunca pode misturar dois temas. Cada canalhice em seu tempo e lugar; eu tenho de estudar cada um em separado e cruzar os dedos para que eu tenha entendido pelo menos metade do que li – mas nunca entendo tudo isso.

E na verdade passei a olhar que não eram só os terno-e-gravata discursando que estavam ali por eles próprios, sabe como é? Quão mais covarde tudo foi ficando, mais covardes as pessoas também o foram. O que mais ficou aqui me doendo era que a polarização impedia as pessoas de conversarem, porque o lado a favor tinha mais birra do que incômodo, tinha mais ódio do que racionalização. O discurso não era por um país melhor, mas por um país do jeito que eu quero, do jeito que eu prefiro, que fica mais confortável pra mim.

Mas não avanço nessa discussão. Só penso sozinha, tentando não ser injusta; possa ser que gentes dos dois lados tenham razões humanas e boas para tal. E não razões individuais, egoístas e próprias. Possa ser.

O mais dolorido do impeachment foi ter deixado muito claro que tem pouco brasileiro pensando em política para o Brasil; que são maioria os que pensam a política para si, e que também são maioria os que não apreendem a maior gravidade desse caminho todo: não foi o caminho ruim, as escolhas erradas, os atropelos, muito menos a crise. A maior gravidade foi de que ninguém lembrou, gritou, berrou pelo alarme óbvio de incêndio de que os políticos eleitos deveriam se ajudar e serem ajudados em tempos de erros. Deveriam ficar unidos, como nós também deveríamos, e propor o conserto, e que brigassem por arrumar a bagunça, de forma realmente legítima. Sem áudios vazados, sem cartas que escapuliram, sem reajuste salarial pra quem não precisa, e com mais consciência: por que ladrões também julgam? E decidem? E decidem!

Ninguém está a fim de fazer um Brasil melhor. Ninguém está a fim de fazer a política existir como deveria, da forma como precisamos. Mas essa é só uma leitura de quem lê pouco disso, de quem não entende muito, relativiza demais, e pede licença pra ler um livro. A literatura tá me salvando, eu fico de escanteio me alienando porque, de verdade, o golpe dói demais. O golpe que damos em nós mesmos, já há tantos anos.