Por Homero de Oliveira Costa – prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN
Diversas pesquisas ao longo dos anos têm constatado que os partidos políticos são as instituições, que apresentam os mais baixos níveis de confiança social. Por quê? Uma resposta simples a pergunta é: porque eles não merecem confiança e que há justificadas razões.
Isto não significa afirmar que os partidos não sejam importantes para a democracia. São – ou devem ser – instituições importantes, enquanto canais de representação e mediação entre os cidadãos e o Estado. Para muitos analistas os partidos, em que pesem as críticas à sua atuação, continuam a ter importante papel institucional, o monopólio da representação (constituição dos parlamentos) e na formação do governo.
Mas é inegável que os partidos passam por uma profunda crise. São burocratizados, oligarquizados (estruturas oligárquicas, com o domínio de uma minoria que ocupa, ao longo do tempo, cargos estratégicos na direção partidária), sem participação dos cidadãos nas instâncias decisórias, restritas ao voto periódico, e apenas mobilizado nas vésperas das eleições.
Este conjunto de fatores, em ter outros, contribui para a erosão de sua credibilidade e legitimidade. Assim como a corrupção que também contribui para a descrença e o desgaste de sua imagem. No Relatório da Transparência Internacional sobre a corrupção no Mundo, publicado em 2004, em 32 países, dos 62 estudados, os partidos políticos foram avaliados como as instituições mais afetadas pela corrupção. Dados do Relatório mais recente, de 2014, confirmam o desgaste da imagem dos partidos, associados à corrupção.
Quais são as causas mais profundas da descrença? É um problema conjuntural ou estrutural? E mais: Os partidos estão mesmo em crise ou há um equívoco neste diagnóstico? Há várias possibilidades de respostas. Não há consenso na literatura sobre os partidos políticos a respeito de sua crise e das causas explicativas. De minha parte, me filio aos que argumentam, com base em diversos elementos, que há uma crise de representação política e que os partidos estão em declínio. Há, no entanto, outras explicações e analistas que sugerem que os partidos ainda que tenham mudado se mantém tão influente como no passado, ou seja, não estão em declínio, mas se adaptando aos novos contextos.
É o caso de Bernard Manin. No influente livro “Princípios do governo representativo” (1995) e mais especificamente no capítulo VI “As metamorfoses do governo representativo”, ao se referir à crise de representação política afirma o que está ocorrendo não é uma crise de representação política, mas uma mudança no governo representativo. De uma forma que ele chamou de “democracia de partidos” para o atual, denominada de “Democracia de público”. Para ele “se durante décadas, a representação parecia estar fundamentada em uma forte e estável relação de confiança entre o eleitorado e os partidos políticos; a grande maioria dos eleitores se identificava com um partido e a ele se mantinha fiel” hoje não é mais desta forma. Há uma erosão da identificação partidária e os partidos perderam a centralidade, substituída pelos meios de comunicação, que passaram a ter um papel fundamental nos processos eleitorais (assim como o uso intensivo do marketing).
Quando ele publicou o livro, em meados dos anos 1990, já constatava que tinha havido uma mudança significativa no que diz respeito aos partidos políticos: o eleitorado tendia a votar de modo diferente de uma eleição para a outra (conhecido como “volatilidade eleitoral”) e que as pesquisas de opinião revelavam que tem tinha aumentado o número dos eleitores que não se identificam com partido algum (diminuição da identificação partidária).
Para ele “No passado, os partidos propunham aos eleitores um programa político que se comprometiam a cumprir, caso chegassem ao poder. Hoje, a estratégia eleitoral dos candidatos e dos partidos repousa, em vez disso, na construção de imagens vagas que projetam a personalidade dos líderes” e que “a eleição de representantes já não parece um meio pelo qual os cidadãos indicam as políticas que desejam ver executadas”.
Outro aspecto é que “a arena política vem sendo progressivamente dominada por fatores técnicos que os cidadãos não dominam. Os políticos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem aos seus eleitores. O abismo entre o governo e a sociedade, entre representantes e representados parece estar aumentando”. .
Certamente houve modificações importantes no que diz respeito aos partidos políticos. Ele é resultado de conquistas democráticas como a ampliação do direito do voto (no Brasil do Brasil, durante todo o Império, a exemplo de outros países na época, o voto era censitário, ou seja, só tinha direito a voto uma inexpressiva minoria com a renda exigida, tanto para ser eleitor como para ser eleito) e a formação de partidos de massa, especialmente na Europa em meados do século XIX (no Brasil mais de um século depois).
Para Manin, o aparecimento dos partidos de massa e de seus programas transforma a relação de representação. A existência de partidos organizados aproximava os representantes dos representados “Os candidatos passaram a ser escolhidos pela organização partidária, na qual militantes de base tinham a oportunidade de se manifestar. A massa do povo podia, assim, ter certa participação na seleção de candidatos e escolher pessoas que compartilhassem de sua situação econômica e de suas preocupações. Uma vez eleitos, os representantes permaneciam em estreito contato com a organização pela qual se elegeram, ficando, de fato, na dependência do partido. Isso permitia aos militantes, ou seja, aos cidadãos comuns, manter certo controle sobre seus representantes fora dos períodos eleitorais. Apresentando-se diante dos eleitores com um programa, os partidos pareciam dar aos próprios cidadãos a possibilidade de determinar a política a ser seguida”.
No entanto, ao longo do século XX os partidos perderam essa função, se burocratizando, se distanciando do eleitorado e uma consequente diminuição da participação eleitoral, de filiações partidárias etc., e o que se para alguns analistas expressa uma crise de representação para Manin trata-se de uma crise que é muito menos da representação como tal do que de uma forma particular de governo representativo. De uma forma de governo representativo que ele chama de “democracia de partido” (termo que dificilmente se aplicaria ao Brasil, por exemplo), para outra forma de governo representativo que ele chama de “democracia de público” (São Três tipos-ideais de governo representativo construídos por ele: o “parlamentar”, a “democracia de partido” e a “democracia do público”). Esta última, segundo ele, é a forma de governo representativo atual, que resumidamente se caracteriza por uma crescente volatilidade eleitoral, não havendo a predominância das legendas partidárias e há uma personalização da escolha eleitoral: cada vez mais as pessoas tendem a votar não apenas de modo diferente, como cada vez mais em pessoas e não em partidos e no qual os canais de comunicação passam a ter um papel fundamental (ele afirma que “democracia de pública” é, na verdade, o “reino do comunicador”.). Os canais de comunicação política afetem a natureza da representação política e os candidatos passam a se comunicar com os eleitores através do rádio, televisão etc. e não mais através dos partidos políticos.
Nesse sentido, se há uma crise, não é conjuntural. E como podemos analisar o caso do Brasil? Resumidamente, os problemas atuais dos partidos, a meu juízo, têm a ver com sua história no país. Eles foram formados durante o Império, sem representatividade, excludentes, criados pelas classes dominantes e caracterizados pelo clientelismo, personalismo e patrimonialismo, que ajudaram a construir uma cultura política – que perdura até hoje –que concebe e utiliza o Estado e a política como extensão dos interesses privado, ou seja, para fins pessoais. A oligarquização do jogo político, à ausência da participação e à falta de legitimidade político-partidária é consequência.
Uma cultura personalista que segundo Sérgio Buarque de Holanda no livro “Raízes do Brasil” (1936), o Brasil, herda de Portugal, e se afirma num país no qual os vínculos pessoais são decisivos nas relações sociais e políticas. Ele usa o conceito de cordialidade, que resumidamente mostra que, se de um lado há a hospitalidade, o pacifismo e a generosidade do homem brasileiro, por outro lado, mostra a ausência de um ordenamento impessoal que em princípio, caracterizaria o Estado, mas que é apropriado pelas classes dominantes, que estrutura a cultura política clientelista. Quanto ao patrimonialismo, um conceito que foi formulado por Raymundo Faoro no livro “Os donos do poder” (1958), afirma ser ele o principal eixo da cultura política brasileira, que se caracteriza pela utilização da propriedade pública para fins privados, ou seja, a privatização do Estado.
Considerados nestes termos, quais as saídas? Difícil vislumbrar. O desafio é tornar os partidos eficientes na mediação política, de articular e agregar os interesses dos diferentes setores da sociedade. Será possível? Embora uma ampla (e necessária) reforma política possa ajudar, não creio que seja suficiente para trazer mudanças de caráter estrutural. As dificuldades são maiores porque o Congresso Nacional, historicamente, não tem contribuído para o fortalecimento dos partidos e as alternativas de mudanças ou de correção das inúmeras distorções do sistema de representação sequer são votadas, embora, ao longo do tempo, tenham sido constituídas várias comissões especiais de reforma política, apresentados extensos relatórios, com propostas de mudanças, que nunca foram votadas.
Da mesma forma existem também muitas propostas relevantes e democráticas elaboradas por setores organizados da sociedade civil, como as apresentadas pela Plataforma dos Movimentos Sociais Pela Reforma Política e pela Coalizão Pela Reforma Política Democrática, também desconsiderada. Esta última, formada em 2013, conta com 114 entidades da sociedade civil e movimentos sociais e elaborou um conjunto de propostas, como a proibição do financiamento de campanha por empresas e adoção do Financiamento Democrático de Campanha; Eleições proporcionais em dois turnos; Paridade de gênero na lista pré-ordenada e fortalecimento dos mecanismos da democracia direta com a participação da sociedade em decisões nacionais importantes com um dos seus eixos principais. Há ainda o sistema eleitoral de representação proporcional com listas abertas que contribui para a personalização do voto, por individualizar as campanhas, portanto, mais centradas nos candidatos (que compete com candidatos do mesmo partido ou coligação) do que nos partidos. No entanto, como se sabe, este conjunto de propostas não foi e nem são aceitas, analisadas e votadas no Congresso Nacional.
Uma das consequências da desilusão com os partidos pode ser a ampliação do antipartidarismo, expressando uma atitude crítica aos partidos e uma contestação à sua atuação e a possibilidade do surgimento de “salvadores da pátria”, lideranças populistas, de direita, que apenas usarão os partidos – fazendo críticas aos partidos “tradicionais” e a descrença neles, para se beneficiarem. A hostilidade em relação aos partidos evidencia o afastamento e indiferença dos cidadãos em relação aos partidos e a política, que poderá comprometer a consolidação da democracia no país.