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O que acontecerá depois que a idade penal for reduzida?

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Por Gabriel Miranda

Há anos pessoas são enviadas para presídios e a violência não tem diminuído.

A discussão acerca da redução da idade penal parece nunca ter saído do Congresso Nacional, afinal, desde a sugestiva PEC 171, apresentada três anos após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, já contabilizamos, entre PEC’s e PL’s, quase 40 propostas que pretendiam/pretendem reduzir a idade penal. Mas o que se esconde por detrás das plumas coloridas da tão aclamada proposta? Se reduzirem a idade penal, seremos finalmente o Brasil dos sonhos?

downloadCertamente não. O pensamento liberal sobre segurança, presente no discurso de parcela substancial da sociedade brasileira, faz crer que a causa do crime é a irresponsabilidade e imoralidade daquele que o comete, e que a sanção implacável é o meio mais eficaz para coibir novas práticas delituosas. Os irresistíveis argumentos liberais são, sem sombra de dúvidas, lógicos. Mas não podemos esquecer que a lógica é, muitas vezes, um travesseiro confortável para a ignorância.  Portanto, me proponho a, antes de responder à pergunta que dá título a este texto, refutar os argumentos supracitados, demonstrando como eles mais falseiam a realidade do que fornecem subsídios para compreendê-la.

Atestar que a causa de um crime está na irresponsabilidade, no caráter ou na índole daquele que o comete é tirar de cena as estruturas econômicas e sociais que determinam a vida dos sujeitos em sociedade. É acreditar que os indivíduos não têm história. É, por fim, tornar a questão menos complexa do que ela realmente é. Não pretendo afirmar que a causa de uma infração penal reside unicamente em variável x ou y. Há diversas naturezas de crimes e diversas variáveis que contribuem para que alguém os cometa. Entretanto, em um país periférico de capitalismo neoliberal chamado Brasil, há algumas características que contribuem para que que o ato infracional torne-se uma opção, tais como: abissal desigualdade econômica que produz, entre outras coisas, periferias urbanas onde se aglomera o refugo da sociedade de mercado, condenado a própria sorte; difusão do status de cidadão através consumo, ou seja, você é aquilo que você possui e consome; políticas de saúde, assistência social, educação e habitação que não permitem condições básicas de desenvolvimento, etc.

E aí você pode pensar: mas há tantos outros brasileiros inseridos na mesma condição e estes não cometem crimes. Correto! Nem todos aqueles que estão inseridos em contextos de escassez de recursos materiais, possibilidades de emprego e outras vulnerabilidades terão algum tipo de envolvimento com práticas delituosas! (Ufa! Ainda bem…). Entretanto, como não se trata de julgar se a atitude de alguém é moralmente aceitável, mas de pensar propostas eficazes e efetivas para a redução da insegurança urbana, deve-se levar em consideração as dimensões sociais e econômicas, centrais para compreender os delitos cometidos pelos cidadãos que abarrotam o sistema penitenciário e socioeducativo como estratégias de sobrevivência. Em linhas gerais, a (in)segurança não pode ser analisada dissociada das dimensões econômicas, sociais e políticas, porque todas essas dimensões da vida social estão inter-relacionadas.

Neste sentido, a expansão das políticas penais (e a redução da idade penal é uma delas) não atua nas causas da (in)segurança urbana. E por este motivo, não é uma medida eficaz e efetiva para a redução da insegurança, embora o discurso inflamado de parlamentares e figuras públicas faça parecer que é. Como prova, a realidade concreta:

De acordo com os dados disponibilizados pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), a população prisional do Brasil era, no ano de 2014, composta por 607 mil indivíduos, número que confere ao país o título de 4º maior população carcerária do mundo, tanto em números absolutos quanto relativos. Ainda com base no InfoPen, entre o período de 1990 e 2014 houve um crescimento de 575% na quantidade de pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais do Brasil, enquanto que a população total do país crescera aproximadamente 40% durante o mesmo período. Este vertiginoso aumento da população carcerária não parece ter proporcionado alguma redução na incidência de infrações. Ou as ruas das cidades grandes e médias são um lugar mais seguro hoje do que há 24 anos? Sendo assim, parece que a premissa de que “a sanção implacável é o meio mais eficaz para coibir novas práticas criminosas“ é falsa.

Se os indivíduos não têm as condições materiais necessárias à sobrevivência, o crime -ou a rebelião aberta contra seu ambiente social- continuará sendo uma opção “atraente”. Portanto, cabe aos parlamentares discutirem políticas que reduzam as vulnerabilidades presentes na vida das pessoas que encontram no ato infracional uma opção, e não políticas de endurecimento penal, que de nada servem além de estocar fisicamente os setores mais despossuídos e estigmatizados da classe trabalhadora, desnecessários para a reprodução do sistema capitalista, e impor a fronteira sagrada entre os “cidadãos de bem” e as categorias desviantes, como bem pontuou o sociólogo francês Loïc Wacquant, na obra Punir os pobres. Os estratos mais pauperizados da classe trabalhadora, inseridos nas áreas mais subalternas do espaço urbano precisam conhecer o Estado pela sua atuação na garantia de políticas efetivas de saúde, distribuição de renda, habitação e educação, e não apenas pela sua face nefasta representada pelas políticas criminais, a polícia, a justiça e as prisões.

Retomando a pergunta que dá título ao texto: não tenhamos a ilusão de que a redução da idade penal reduzirá também a insegurança urbana, tampouco que se trata de uma medida necessária porque os adolescentes com até 18 anos incompletos que cometem atos infracionais não são responsabilizados por suas condutas. Embora as propagandas pró-redução abordem casos isolados que provocam forte apelo emocional, não se trata de uma política endereçada a atenuar o quadro de insegurança urbana das cidades brasileiras. Trata-se de uma prática que atende interesses escusos de criminalização da pobreza -afinal, quem engorda as instituições de privação de liberdade são os pobres-, promove retrocessos ao ECA, e insere indivíduos em condição peculiar de desenvolvimento em verdadeiras “universidades do crime” onde, a fim de garantir sua sobrevivência no cárcere, são cooptados por facções criminosas. A redução da idade penal significa a reafirmação da negação do direito de ser adolescente.

O importante é lembrar que embora não haja soluções mágicas, há soluções efetivas. E a redução da idade penal não se enquadra em nenhuma das duas. Você pode até defender a redução da idade penal, só não venha me dizer que ela é uma medida útil para reduzir a insegurança urbana.